Polícia Federal investiga jogo do Patrocinense por manipulação de resultados (Foto: Polícia Federal/Divulgação) |
Mensagens interceptadas pela Polícia Federal indicam que um grupo de manipuladores investiu cerca de R$ 250 mil na Patrocinense, de Minas Gerais, para que partidas do time na Série D do Brasileiro deste ano fossem fraudadas para beneficiar apostadores.
O esquema, porém, foi descoberto, gerou prejuízo aos investidores e suspeitas entre os envolvidos de que atletas que tinham sido aliciados para alterar os resultados dos jogos tenham traído o grupo.
Em outubro, a PF concluiu que houve manipulação no jogo entre Inter de Limeira e Patrocinense, pela primeira fase da Série D. Segundo relatório enviado à Justiça, apostadores tinham conhecimento prévio de que a equipe mineira perderia o primeiro tempo da partida por ao menos dois gols.
O jogo, disputado em junho em Limeira, no interior de São Paulo, terminou 3 a 0 para os donos da casa, todos os gols marcados no primeiro tempo: um aos 27 minutos, numa confusão entre zagueiros e o goleiro da Patrocinense, outro no primeiro minuto dos acréscimos, e o terceiro aos 49 minutos, um gol contra.
Foram indiciadas seis pessoas: o gestor do clube, Anderson Ibrahim Rocha, o treinador Estevam Soares, que teve passagens por Palmeiras e Botafogo, Marcos Vinicius da Conceição do Nascimento, possível investidor, o auxiliar Rodolfo Santos de Abreu, além dos atletas Felipe Gama Chaves e Richard Sant Clair Silva.
Do W.O. à disputa do Brasileiro
Em más condições financeiras, a Patrocinense desistiu de disputar a primeira divisão do Campeonato Mineiro com o torneio em andamento – o que causou o W.O. de suas partidas e o rebaixamento da equipe.
Com vaga na Série D, mas sem time ou estrutura, no final de março o clube aceitou fazer uma parceria com a AIR Golden, agência do empresário Anderson Ibrahim Rocha, que teria prometido investimentos de R$ 600 mil na fase de grupos do torneio, além de outros R$ 200 mil em caso de classificação.
Uma investigação da Polícia Federal, porém, demonstra que o clube foi arrendado com a intenção de ser usado para manipular partidas e atender a pedido de apostadores. Houve uma operação de busca e apreensão em junho que mirou Rocha, o técnico Estevam Soares e atletas da equipe em que documentos e telefones celulares foram apreendidos.
As conversas extraídas dos aparelhos, especialmente o de Rocha, apontam que o esquema não deu certo: os apostadores reclamaram de prejuízo, aliciadores dizem não ter recebido o que deveriam e houve suspeita de que jogadores que supostamente faziam parte do acordo teriam traído o grupo, o que levou a ameaças.
O jogo que iniciou a investigação foi o duelo com a Inter de Limeira, no interior de São Paulo, pela sexta rodada da competição. Mas há indícios de que houve ao menos a tentativa de fraudar outras partidas. A Patrocinense, que notificou a empresa de Rocha um dia antes do jogo para romper contrato, disputou os 14 jogos da primeira fase e terminou na lanterna do grupo A7, com cinco pontos.
"Muito seguro, com 12 atletas confiáveis"
Pouco depois de assumir a gestão da Patrocinense, em março, Rocha inicia uma troca de mensagens com um empresário ucraniano identificado como Jan, com quem ele organizava a manipulação de partidas na Finlândia, como mostrou o ge na quinta-feira.
Ele envia a Jan, pelo aplicativo Whatsapp, uma imagem do grupo em que a Patrocinense disputaria a Série D:
– Só equipes de mercado forte. Estou com uma possibilidade muito boa.
Ele insiste. Em abril, em nova conversa, reforça o convite.
– Precisaria de um investimento, mas é um trabalho muito seguro, com 12 atleta confiáveis. Sou o diretor executivo, contratei a comissão técnica, que segue minhas ordens – escreveu Rocha, em espanhol, que depois pede US$ 25 mil para "começar a trabalhar e ganhar dinheiro".
Àquela altura, o técnico Estevam Soares, que no início dos anos 2000 tinha trabalhado em equipes como Palmeiras, Botafogo, Portuguesa, Guarani e Ponte Preta, já estava no clube.
Em maio, após uma derrota por 4 a 1 para o Pouso Alegre, surgem suspeitas de manipulação dos jogos do time na imprensa local. Estevam troca mensagens com Rocha, mas indica não desconfiar do gestor, ainda que demonstre preocupação:
– É preciso a gente ficar atento, ver quem que é mesmo aí, quem aí serve, quem não serve desse corpo atlético aí, desses atletas. Porque senão estoura em você, estoura em mim. Os primeiros que vão se ferrar é o executivo, o treinador. Jesus!!! Se você tiver um tempinho aí me dá uma ligada que estou com isso na cabeça. A gente fica perturbado – disse Estevam, em áudio transcrito pela Polícia Federal.
A análise do celular do treinador mostra, também, uma conversa com uma mulher identificada como Roseli, que seria uma conselheira espiritual de Estevam, segundo a PF. Em conversas com ela, que a princípio sugeriu que ele não aceitasse a proposta de trabalhar na Patrocinense, ele desabafa:
– Eu vou tomar esse banho de louro aí. A coisa aqui está meio pesada a barra. Aqui não é o que eu pensava não. Fora de campo que está me preocupando um pouco. Estão surgindo alguns problemas aqui, meio esquisito, sabe?
Uma outra conversa relevante se dá entre Estevam e o atacante Thiago Ribeiro, ex-Santos, que tinha deixado a Patrocinense pouco antes.
Ele aconselha Estevam, que em outras conversas havia exposto viver um período de crise financeira antes de assumir a equipe, a se demitir.
– O gol contra do Richard foi escandaloso, coisa pra sair preso do estádio. Por isso eles queriam tanto que o Richard jogasse – afirmou o Thiago Ribeiro.
Ele se refere a Richard Sant Clair, o Richard Bala, que marca o terceiro gol da Inter de Limeira, contra, e que teria sido escalado a pedido de Anderson Ibrahim Rocha, gestor do clube, de acordo com depoimento de Estevam à Polícia Federal.
– Sai daí, professor. O senhor não precisa passar por isso. Eu sei que o senhor está precisando do dinheiro do salário, que o senhor precisa trabalhar. Mas não dá para aceitar isso, professor.
Thiago Ribeiro continua:
– A responsabilidade disso é toda do Anderson, pois foi ele quem montou esse elenco. E já falei com o senhor que ele monta time ruim de propósito. É para o time perder mesmo. Aí junta ruindade com desonestidade (como acontece com alguns jogadores aí), é tragédia na certa.
Estevam foi demitido dia 3 de junho, dois dias após a partida, quando o contrato entre a Patrocinense e a AIR Golden já estava rompido. Ele foi indiciado pela Polícia Federal, mas negou participação no esquema em depoimento. Procurado pelo ge, não quis comentar.
Prejuízo e suspeitas de traição
Dois dias depois da partida contra a Inter de Limeira, Anderson Rocha troca mensagens com um homem chamado Wesley, que pergunta ao empresário se ele continua em Patrocínio – o contrato com o clube havia sido rompido pelas suspeitas de fraude nas partidas.
– Estou, mas vou hoje para (São José do) Rio Preto. Não sou louco – disse Rocha.
Wesley pergunta se "o parceiro conseguiu alguma coisa sábado" (dia do jogo contra a Inter).
– Não deu certo como gostariam. Nem recuperaram o investimento, depois veio essa bomba – responde Rocha, que depois reclama:
– Investiram em torno aí de uns R$ 250 mil nas minhas contas, entendeu? Mas porra, eu não imaginava que ia acontecer o que aconteceu, de não dar certo ou de perder o clube. Eles pagaram os meninos, os jogadores, até onde eu sei não pagaram o Rodolfo (assistente) também e não me pagaram, mano. Simplesmente falou que não recuperou e que a gente precisa ver o que vai fazer.
– Liguei pro Rodolfo e falei que nunca mais vou mexer com essa porra de jogo. Minha cara está exposta, estou com um monte de B.O para resolver, processo, um monte de coisa na empresa a troco de nada. Ah, mas não deu dinheiro? Foda-se. Manda pelo menos uma parte para eu poder sobreviver com minha família aqui.
– Os caras não têm um pingo de consideração para nada. Minha cara que está lá, minha empresa que está lá, e mesmo assim os caras não tiveram a capacidade de mandar sei lá R$ 5 mil, e falar: "ó, paga aí teu aluguel, suas coisas aí, segura a bronca e vamos correr atrás do prejuízo".
Rodolfo Santos de Abreu, o Dodô, é um ex-jogador de confiança de Rocha que foi colocado na comissão técnica de Estevam Soares como assistente – segundo as investigações, com a intenção de repassar informações ao empresário.
No começo de abril, Rocha manda mensagem a Dodô avisando que ele trabalharia com Estevam Soares. E pede que ele avise "os moleques para não ficar de brincadeira" e que não fique de "muita amizade com eles pra evitar desconfiança".
Dois dias antes do jogo contra o Pouso Alegre, Dodô informa Rocha sobre a escalação que estava prevista para a partida. Dos 11 titulares, Rocha responde que “temos sete”.
– É bom para nós, caso façamos algo.
A derrota por 4 a 1 gerou desconfiança na imprensa local. E também em Rocha, que, em conversa com Dodô, dá a entender que os atletas tenham vendido informação a outras pessoas.
– Usaram meu nome. Se eu tivesse procurado ia ser porque você pediu e eu ia te falar. Eu não tenho saída em nenhum cassino, não conheço ninguém de cassino – escreve Dodô.
– Fica em paz, a gente já sabe quem é – responde Rocha.
Eles passam, então, a organizar um modo de pressão aos jogadores que supostamente teriam deixado de atender às ordens do grupo de manipuladores.
Os dois planejam ameaças e agressões:
– Tem que pegar um para exemplo, mano. Tem que quebrar pelo menos as pernas, se não matar um cara desses. Tá ligado? Dar um tiro na perna. E fazer cuspir dinheiro – sugere Dodô.
Rocha então pede ao auxiliar que fale com os “moleques que são nossos” e apague todas as mensagens trocadas entre eles, Dodô e o empresário.
– Teu mano lá mandou para você o áudio e fez a foto com a peça (arma) e as munições – questiona Rocha, sobre uma nova forma de ameaça aos atletas que eles estavam planejando.
Mesmo sob suspeita, a AIR Golden permaneceu como gestora da Patrocinense por cerca de mais um mês, entre a derrota para o Pouso Alegre, que acendeu alertas, e a derrota para a Inter de Limeira, que causou o rompimento.
Quase todos os envolvidos prestaram depoimento à Polícia Federal.
Eles negaram participação em esquemas de manipulação. Dodô foi intimado a depor virtualmente, mas não compareceu no horário marcado.
Richard Bala afirmou que nada viu de anormal na partida contra a Inter de Limeira, assim como o goleiro Felipe Gama.
Marcos Vinicius da Conceição do Nascimento, indicado como investidor, disse que foi convidado uma pessoa conhecida como “Neymar do Japão” para ajudar a pagar salários do clube.
O ge não conseguiu contato com eles.
Anderson Rocha, acusado de manipular resultados, diz à CPI não ter "hábito" de apostar
Rocha foi procurado através de seu advogado, mas não houve retorno. À CPI que investiga casos de manipulação no Senado, o empresário negou chefiar o esquema de fraude.
– Sabendo que tinha jogadores jogando em posições que não eram a deles de origem, numa situação em que a gente não tinha um banco, jogando contra o então líder, que é um adversário que a gente tinha que respeitar demais, porque estava invicto na competição... Se você errar contra jogadores tecnicamente melhores, você está fadado a tomar gol. Isso faz parte da bola. E, como você disse, na Série D, infelizmente, o nível técnico é muito baixo – disse ele.
Em junho, quando a Polícia Federal fez operação de busca e apreensão, tanto a Inter de Limeira como a Patrocinense informaram que colaboravam com as investigações.
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