Arquibancadas do Estádio da USP (Foto: Marcos Ribolli) |
Quem passa pela Marginal Pinheiros, na altura da Ponte Cidade Universitária, na zona oeste de São Paulo, não consegue ver, mas atrás da fila de árvores que cerca a Universidade de São Paulo (USP) existe um estádio com capacidade para cerca de 30 mil pessoas.
Em 1988, estádio da USP foi palco da final da Copa São Paulo de Futebol Júnior entre Nacional-SP x América-SP
De formato diferente do tradicional, o Estádio Armando de Salles Oliveira, ou o Estádio Olímpico da USP, como é conhecido, já foi palco de final da Copinha e viu craques como Paolo Rossi, campeão Mundial e carrasco do Brasil na Copa de 1982, desfilarem em seu campo.
Hoje, o estádio, que já foi o terceiro maior da cidade e está com sua arquibancada superior interditada, sobrevive sediando eventos universitários ou de menor porte, como jogos de rugby. No dia 19 de agosto, por exemplo, o estádio recebe a inédita final da Copa do Brasil de Rugby, entre Poli (SP) e Niterói (RJ).
O estádio fica localizado no Centro de Práticas Esportivas da USP. O Cepeusp, criado em 1971, é uma praça poliesportiva, com mais de 514 mil metros quadrados, que atende a comunidade universitária e demandas externas.
O seu formato em "U" foi pensado pelo arquiteto Ícaro de Castro Mello, responsável por essa e outras obras importantes no estado de São Paulo, como o Ginásio Ibirapuera, e faz uma ligação com a primeira letra de Universidade.
– Além de ser um estádio com capacidade para 30 mil pessoas, destinado a provas de atletismo e ao futebol, foi proposto em formato de U. Como os antigos anfiteatros gregos e romanos, apropriado para receber desfiles cívicos, internos e externos à Universidade e aos espetáculos artísticos e culturais – explicou Eduardo Castro Mello, arquiteto e filho de Ícaro.
Hoje, a arborização feita no entorno da USP esconde o estádio de quem passa pelas vias expressas ao lado. Ao mesmo tempo, a natureza ao seu redor deixa o local mais charmoso.
O contraste das belezas da natureza, da arquitetura do estádio, com o desgaste do próprio é gritante. A parte externa das arquibancadas, carcaça desse gigante no meio de São Paulo, não são preservadas.
– A arquibancada tem quarenta anos praticamente. E uma coisa que aprendi é que se você não usa, deteriora. Tem que estar sendo usado – comentou o professor Emílio Antonio Miranda, diretor do Cepeusp
Apenas a parte interna é preservada e reformada pela Universidade, que usa para alojamentos, vestiários, auditórios e salas de aula. A parte de fora é outra história.
O projeto original do Cepeusp foi alavancado pelos Jogos Pan-Americanos de 1975, que seria sediado em São Paulo. O evento, porém, não aconteceu por conta de uma epidemia de meningite.
Mesmo sem o Pan, o Estádio da USP viveu seu auge na década de 80. Em 1988, por exemplo, sediou a abertura e a final da Copa São Paulo de Futebol Júnior, conquistada pelo Nacional naquele ano.
Surpresa em campus! Uma grande revelação da Taça São Paulo: o ótimo estádio da USP, com capacidade para 32.000 pessoas e que poucos conheciam – manchete da Revista Placar de janeiro de 1988.
Na época, a reportagem comparava a capacidade do Estádio da USP com outros, como Parque São Jorge, Canindé e Rua Javari. Comparava também o acesso à Cidade Universitária com o do Morumbi.
Em 1989, a Copa Pelé, torneio organizado pelo jornalista Luciano do Valle que reunia seleções de jogadores veteranos, levou Paolo Rossi, carrasco do Brasil na Copa de 1982, ao local.
– Tivemos duas edições da Copa Pelé. Sensacional, todos aqueles craques da época treinando e jogando. Tivemos uma coisa muito interessante também que foi a réplica do jogo entre Uruguai e Itália, que teve nomes como o Paolo Rossi (morto em 2020).
– Tivemos também jogos da Copa Paulistana de Futebol Feminino. Tivemos a Seleção Paulista contra a de Goiás, na época do Brasileiro de Seleções. O Rubens Minelli foi treinador, tivemos grandes nomes de São Paulo participando – relembrou o professor Emílio.
Eduardo José Farah, presidente da Federação Paulista de Futebol no final dos anos 80, chegou a falar que pretendia usar o estádio em jogos de porte médio do Campeonato Paulista.
No ano seguinte, porém, o estádio já era tratado como "esquecido". A mesma Revista Placar falou com Emílio, também diretor na época, sobre a falta de interesse efetivo. Agora, 34 anos depois, segue igual.
Presente
A expectativa em cima do que poderia ter se tornado o Estádio da USP não se cumpriu. Giram em torno disso as prioridades da Universidade diante de seu orçamento, a falta de interesse efetivo e externo no local e o pouco incentivo ao esporte no país.
– Em uma cidade como essa, é um negócio que você tinha que ter o máximo apoio. Eu moro no Tatuapé, estavam comentando que tem 4,5 milhões de pessoas na Zona Leste. Rapaz, é mais que a população do Uruguai. Aí você vai ver, o que a população tem? Pouquíssimo. E não têm recursos – disse Emílio.
Ainda com a sua imponente arquibancada, o local já não se encaixa nos padrões exigidos por entidades esportivas e tudo que envolve os grandes eventos. O campo que viu Paolo Rossi atuar, vive outra realidade:
– A tristeza é inevitável, ainda mais sabendo que o estádio seria autossustentável pelos diversos eventos que tinha potencial de abrigar, ainda trazendo recursos para a própria Universidade – relatou o arquiteto Eduardo.
Futuro
Segundo Emílio, o Cepeusp tem um custo anual de cerca de R$ 4 a 6 milhões. No Plano de Obras 2022/25 da USP, o Centro Esportivo fez uma solicitação para “avaliação e recuperação estrutural do estádio”, estimando R$ 300 mil como recursos necessários.
– Foi feito um plano de revitalização da Universidade, em muitos prédios que precisam ser atualizados. Nós também fizemos um plano e mandamos para a reitoria, agora tem todo um processo, que é até 2025. Vamos aguardar – contou o diretor.
As reformas para tornar as arquibancadas superiores utilizáveis, porém, não estão entre as prioridades do Cepeusp, que foca em outras instalações de maiores demandas. A USP tem autonomia administrativa em relação ao estado. O principal empecilho nessa questão do estádio é a demanda para ele.
– Para nós, da Universidade, é um recurso que não temos interesse em investir, temos outras demandas para cuidar. Às vezes vemos especulações (de parcerias e projetos para reformar o estádio), mas concretamente ninguém nunca nos procurou – acrescentou.
Diante disso, na opinião de Emílio, a carcaça do Estádio da USP cai em desuso em um país que vive um problema crônico de incentivo ao esporte.
– Na Olimpíada nós fomos muitos procurados por diversos países. Tivemos China, Itália, França e Rússia treinando aqui, em diversas modalidades. Acharam isso aqui demais. O pessoal da França treinou, o Lavillenie, do Salto com Vara, inclusive. Ficaram apaixonados. Mas foi um momento. Todo mundo apareceu, vieram com isso de que podia ser um centro de treinamento... Mas, efetivamente, ninguém quer investir – relatou Emílio.
Tombado como patrimônio da Cidade de São Paulo pelo CONPRESP, em 2019, pode ser submetido a reformas, modernização de suas instalações e adequações de acessibilidade, desde que realizadas dentro das regras estabelecidas pela resolução de tombamento.
– A reforma de uma obra dessa é perfeitamente possível e viável tecnicamente, desde que seja elaborada por uma equipe de arquitetos e engenheiros especializados e familiarizados com os requisitos necessários para dotar a edificação de ajustes tecnológicos que, tanto a FIFA quanto a Wolrd Athletics, impõem para sua certificação – explicou o arquiteto.
E de fato a estrutura do estádio não corresponde com os padrões atuais. Por exemplo, não há um espaço destinado para a imprensa, seja para reportagens ou transmissões de possíveis eventos.
– Eu sempre enfatizo que um bem "tombado" não está "engessado" e, portanto, pode ser modernizado mantendo-se suas características arquitetônicas originais – completou Eduardo.
Um possível projeto de reforma do estádio teria que passar pela aprovação do Departamento do Patrimônio Histórico, como explicou a Secretaria Municipal de Cultura em contato com a reportagem.
Para 2023, foi aprovado um orçamento de R$ 8,4 bilhões para a USP (sendo R$ 7,5 bilhões de repasses do governo estadual, e R$ 925,2 milhões de receitas próprias). Deste orçamento, R$ 6,1 bilhões estão previstos como despesas com folha de pagamento.
Do montante, R$ 1,3 bilhão é previsto para “outros custeios e investimentos”, englobando ampliação e modernização da infraestrutura de ensino e pesquisa da Universidade.
No Cepeusp, órgão de serviço da Universidade, a dotação orçamentária será de quase R$ 6 milhões para “outros custeios e investimentos”.
– Tudo aqui é recurso da Universidade, não vem nada de fora. Independentemente disso, é um Centro bem cuidado. A gente usa, e a Universidade valoriza – finalizou Emílio.
Por Henrique Toth
GE São Paulo
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