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terça-feira, 8 de agosto de 2023

Em nome do avô: neto de Dener tenta ser jogador e manter legado do craque



Rafinha Cavalcante exibe uma das poucas lembranças materias que tem do avô (Foto: Emilio Botta)
A semelhança física e das habilidosas pernas que tratam a bola com carinho são as credenciais de um garoto de 12 anos que tenta manter o legado do seu avô, um atacante que encantou o Brasil no início da década de 1990 defendendo Portuguesa, Grêmio, Vasco e a seleção brasileira.
Vestindo a camisa da Portuguesa que um dia transformou Dener no "Reizinho" do Canindé, Rafael Cavalcante sonha em escrever um novo capítulo na história da família que sofreu com a precoce morte de um dos mais promissores atacantes do futebol brasileiro.
– Meu avô me inspira muito, até mesmo nos vídeos, minha família que sempre apoiou ele continua me ajudando e espero continuar o legado dele. Eu acho que vou conseguir lutando e treinando, se Deus quiser um dia vou conseguir – disse Rafinha, em entrevista exclusiva ao ge.
Rafael nasceu 16 anos após a morte do avô. Dener foi vítima de um acidente automobilístico em 1994, quando defendia o Vasco e acabou batendo o carro na Lagoa Rodrigo de Freitas, quando voltava para São Paulo onde passaria o fim de semana de folga.
– A maior memória que tenho são os vídeos e os relatos que meus avós e meus tios contam. Ele representou uma nova era do drible, inspirou grandes jogadores e acho que as pessoas conhecem meu avô, o povo conhece ele, meus amigos comentam comigo que assistem a vídeos dele – conta Rafinha, que guarda um quadro e algumas camisas usadas pelo avô.
Dener deixou três filhos: Denis, Felipe e Matheus. Os três tentaram jogar futebol, mas nenhum se profissionalizou. Rafinha é filho de Felipe e agora o quarto membro da família que busca de alguma formar manter o legado do ex-craque.
– Meu pai e meus tios não conseguiram, mas estou aqui para continuar o legado. Meu pai até que era bom, mas meus outros tios eram grossos. Eu jogo melhor que os três. Eu acho que ao mesmo tempo que atrapalha é uma coisa boa. É como um refletor, que todas as pessoas veem.
Rafinha nunca participou de alguma das tradicionais peneiras que são a principal porta de entrada para os clubes grandes. O avô materno do garoto, Chicão Cavalcante, tem uma estratégia diferente para tentar livrar o neto do assédio de empresários.
Prestes a completar 13 anos, Rafinha treina no Centro da Coroa, tradicional time amador da Zona Norte de São Paulo, que revelou Elias (ex-Corinthians); Pedro Geromel (Grêmio), e também foi um dos formadores de jogadores como Endrick, do Palmeiras, e Gabriel Martinelli, do inglês Arsenal.
A ideia é ficar no clube se desenvolvendo até reunir condições de acertar com algum grande clube em definitivo.
O neto de Dener começou a curta carreira no futsal da Portuguesa, onde ficou dois anos até a pandemia obrigar o clube a encerrar as categorias de base.
Desde então, Rafinha tem jogado algumas competições pontualmente, como foi no Nacional no ano passado e agora no EC São Bernardo, onde jogou o Campeonato Paulista Sub-13.
– A Portuguesa representa muita coisa para mim, meu avô jogou lá, eu joguei lá e foi o clube que revelou meu avô e proporcionou que ele pudesse jogar futebol. Muitas pessoas me pediam foto lá, todo mundo falava comigo. Não fiquei lá porque as categorias de base encerraram após a pandemia.
– Espero ser reconhecido por ser o Rafinha, estou treinando para jogar na Europa e ser reconhecido.
E a manutenção do legado de Dener passa por uma mudança no estilo de jogador do avô para o neto. Rafinha avalia a sua forma de jogar com uma característica principal: a posse de bola. O jovem de 12 anos trocou o drible e a velocidade do avô pelo controle da bola e o passe.
– Nossa semelhança é mais física, meu avô era mais driblador, veloz, arriscava na última linha e eu já sou mais um jogador que distribui a bola, gosto de troca de passes.
Rafinha é meia-atacante, mas também atua como volante e lateral-direito. O jogador em formação entende que o futebol moderno exige a multifuncionalidade dentro de campo. Por isso, não descarta ter que atuar em uma função diferente da que consagrou Dener.
Quem foi Dener
Nascido em 2 de abril de 1971, Dener Augusto de Sousa foi um atacante revelado para o futebol na Portuguesa, onde ganhou destaque sendo campeão e eleito o craque da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 1991.
Não demorou muito para o atacante ser apontado como uma das principais revelações do futebol brasileiro. Com um estilo de jogo apoiado na velocidade e no drible, Dener foi promovido ao time profissional da Portuguesa, onde também se destacou até ser emprestado ao Grêmio em 1993.
Relembre a história do fenômeno Dener, que morreu em um acidente de carro
O atacante foi campeão gaúcho pelo Grêmio e retornou para a Portuguesa no mesmo ano. Em 1994, Dener foi emprestado para o Vasco. Ele foi campeão carioca antes de morrer em um acidente de trânsito na Lagoa Rodrigo de Freitas, no dia 19 de abril daquele ano.
Dener também disputou dois jogos pela seleção brasileira. O atacante foi convocado por Paulo Roberto Falcão para a disputa de dois amistosos em 1991, contra Argentina e México, respectivamente. O jogador, na época com 20 anos, atuou por alguns minutos das duas partidas que tiveram como titulares nomes como Bebeto, Careca e Renato Gaúcho.
Processos finalizados
A família de Dener não possui mais nenhum tipo de processo indenizatório em curso. O Vasco, clube que mantinha contrato com o ex-jogador na época, demorou quase uma década para pagar o valor acordado após o fim do imbróglio entre as partes na Justiça.
Em 2015, o Vasco quitou uma indenização de cerca de R$ 5 milhões à viúva e aos três filhos. Inicialmente, a dívida era para ter sido paga no fim de 2010, mas o clube atrasou o pagamento e teve de fazer novo acordo para encerrar o processo.
O imbróglio jurídico era dividido em duas histórias e tinha o mesmo motivo: o Vasco, quando contratou o jogador em 1994, não fez seguro de vida para Dener - apenas por acidente de trabalho.
À época, Eurico Miranda, então vice de futebol, disse que o jogador não queria fazer seguro em nome da Portuguesa e alegou que não poderia fazer de pessoa física para pessoa jurídica - o Grêmio, porém, havia feito isso no empréstimo anterior.
A morte de Dener representou também um gasto de quase R$ 10 milhões para os cofres vascaínos. O clube pagou cerca de US$ 20 mil para a mãe quitar um dos apartamentos que o filho tinha comprado. Dener era o mais alto investimento da equipe para o tricampeonato carioca de 1994. O clube pagou para a Portuguesa US$ 350 mil, mais o empréstimo do zagueiro Tinho.
Em longas batalhas judiciais, a Portuguesa recebeu R$ 4,6 milhões em 1999. Para a viúva, que pedia indenização original de R$ 15 milhões, o acordo saiu por R$ 5 milhões somente em 2007, mas foi pago totalmente apenas em 2015.
Família sonha com reforma de carro
O grande sonho da viúva e dos três filhos de Dener é a reforma do Mitsubishi Eclipse branca, placa DNR 0010 - em alusão ao número da camisa e as iniciais do ex-jogador. O veículo, que ficou guardado por 25 anos em uma garagem por um ex-dirigente do Vasco, é o mesmo que vitimou Dener em 1994.
O carro de Dener foi um presente da Portuguesa por uma renovação de contrato. O jogador exigiu o veículo para assinar com a Lusa e voltar a treinar em 1993. A Mitsubishi Eclipse, carro raro na época no Brasil, permaneceu no Rio para perícia, por decisão judicial. E nem o Vasco nem a Portuguesa, muito menos a família de Dener quiseram levar o carro.
A família chegou a firmar um acordo para a reforma do carro com uma empresa especializada na restauração de veículos antigos. No entanto, o projeto não foi adiante. O veículo, agora sob posse dos familiares de Dener, está guardado em uma garagem no interior de São Paulo onde aguarda um interessado. A ideia da família é promover eventos com o carro e depois leiloá-lo.
Atualmente, o preço de mercado do carro, em boas condições, pode chegar até os R$ 60 mil. Por ter sido de Dener, o veículo avariado tem certa valorização.

Por Emilio Botta 
ge São Paulo

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