Novo CT do Bolívar na zona sul de La Paz, encostado em uma montanha (Foto: Henrique Toth) |
Equipe mais tradicional da Bolívia, o Club Bolívar, adversário do Palmeiras na estreia da Conmebol Libertadores, nesta quarta-feira, às 21h30 (de Brasília), vive um projeto fundamental para o seu presente e, principalmente, para o futuro: o Plano Centenário.
Em 2025, a equipe boliviana com mais títulos nacionais completará 100 anos de existência. E esse processo passa por investir na formação e exportação de jogadores, na infraestrutura e nas conquistas esportivas.
Tudo isso para que o Bolívar se torne, a partir de 2025, um clube autossustentável. Atualmente, na Bolívia, as equipes dependem de uma classificação à Libertadores para salvar o ano. O Bolívar quer, além disso, crescer no cenário sul-americano e passar a incomodar os gigantes do continente, hoje dominado por brasileiros e argentinos.
Para isso, há um apoio de peso: o do Grupo City, que não é dono do Bolívar, mas sim parceiro desde 2021, proporcionando acesso a metodologias, tecnologias e práticas aplicadas nos 12 clubes que de fato são controlados pelo conglomerado – com o Manchester City como o mais famoso e dois "coirmãos" na América do Sul (Montevideo City Torque, do Uruguai, e Bahia).
O grupo é de propriedade do xeque Mansour bin Zayed Al Nahyan, membro da Família Real de Abu Dhabi e Ministro dos Assuntos Presidenciais para os Emirados Árabes Unidos.
Nesta semana, o ge visitou o Centro de Alto Rendimento do Bolívar, inaugurado há menos de um mês e grande pilar da parceria, para entender as metas ambiciosas do rival do Palmeiras nos próximos anos. O clube foi da quase falência no início dos anos 2000 ao ousado Plano Centenário.
Mas o que é o Plano Centenário?
O projeto considerado revolucionário para o futebol boliviano foi criado a partir da parceria com o Grupo City e traz metas ousadas para 2025:
Inauguração do novo estádio, uma arena para mais de 20 mil torcedores;
Ganhar 50% de todos os títulos nacionais ou um torneio por ano;
Ser o primeiro clube boliviano a ganhar a Sul-Americana ou a chegar à final da Libertadores;
Aumentar a arrecadação anual de US$ 6 milhões (R$ 30,4 milhões) para US$ 17,7 milhões (R$ 89,7 milhões).
A base de tudo está encostada numa montanha na zona de Ananta, sul de La Paz. O novíssimo Centro de Alto Rendimento Guido Loayza possui três campos, uma área de saúde e preparação física moderna e toda a estrutura necessária para um atleta se desenvolver. O valor investido pelo clube (sem participação do Grupo City) foi de cerca de US$ 6 milhões (R$ 30,3 milhões).
Da falência à fartura
O nome dado ao CT tem um simbolismo. Guido Loayza, hoje com 79 anos, é ex-presidente da Federação Boliviana, levou a seleção local à Copa de 1994, nos Estados Unidos, e assumiu o comando do Bolívar em um dos momentos mais difíceis de sua história, no início dos anos 2000.
Em 2008, após sucessivas más gestões, o Bolívar não parava de acumular dívidas e ficou à beira da falência. Naquele ano, Guido se candidatou à presidência e chamou um amigo antigo (e rico) para ajudá-lo: Marcelo Claure, empresário boliviano bilionário e CEO do Softbank Group, um conglomerado focado em investimentos. Os dois mantinham amizade desde a Copa de 94.
– Precisávamos de 70 pessoas para dar US$ 100 mil ao Bolívar, só para pagar a dívida... Era utópico. Eu disse que podia fazer algo, que tinha um amigo e ia tentar convencer. E lá fui eu. "Olha, Marcelo, a situação do Bolívar...". E ele: "Está louco? Como vamos a recuperar esse dinheiro? Com a metade, podemos fazer uma grande equipe". E eu disse: “O problema é que isso é futebol, paixão. Isso leva anos e anos, é muito difícil” – disse Loayza, em entrevista ao ge.
– No final, ele entendeu, mas me colocou condições: "Temos dois meses para tirar o atual presidente do Bolívar, mas só entro se você entrar. Temos que estar lado a lado".
Loayza, então, venceu as eleições presidenciais, e, com Claure, fez do Bolívar uma empresa: a BAISA, Bolívar Administración, Inversiones y Servicios Asociados, que passou a controlar o clube.
Guido e Marcelo, então, conseguiram uma parceria de sucesso. Em cerca de dez anos, foram nove títulos conquistados na gestão da dupla. Destaque, também, para a disputa inédita das semifinais da Libertadores em 2014.
– Se olharmos para o futebol boliviano, o Bolívar agora tem 30 campeonatos. Strongest e Willstermann têm 15, igual a mim (risos). Tenho 15 voltas olímpicas. Então tem sido uma coisa muito linda – comemorou Loayza, que deixou a presidência em 2019 e foi sucedido pelo próprio Marcelo Claure.
Estrutura atrai artilheiro da Série B
O CT construído conta com dois campos de grama natural, sendo um deles de dimensões oficiais e outro no estilo "tablet" (quadrado), além de um terceiro com gramado sintético – ponto positivo para quando o Bolívar for atuar no Allianz Parque.
Eduardo Valdivia, gerente do Bolívar, detalhou os pilares deste projeto e sua expansão para outras cidades bolivianas.
– Agora temos boas condições para os profissionais treinarem. Antes não tinha. E para os mais jovens, estamos construindo um centro igual a esse em Santa Cruz de La Sierra. Por que em Santa Cruz? Primeiro, razões fisiológicas, o crescimento das pessoas no nível do mar é maior.
– Segundo, o clima. Aqui em La Paz é difícil treinar antes das nove da manhã, depois das cinco da tarde, por conta do frio. Em Santa Cruz, não. E, por último, o torneio juvenil na Bolívia é organizado por Departamento, e o de Santa Cruz é muito mais competitivo – explicou Valdivia.
Acompanhado deste pilar está o desempenho esportivo, que também anda lado a lado com o investimento em jogadores de fora da Bolívia. O maior exemplo está no brasileiro Gabriel Poveda, artilheiro da Série B em 2022 pelo Sampaio Corrêa, com 19 gols, contratado pelo Bolívar com status de estrela.
– A ideia é apostar nesse tipo de jogadores, pois não conseguimos competir, a nível econômico, contra times como Palmeiras, Flamengo, River Plate... Essa é a realidade do futebol boliviano. Se trazermos jogadores que fazem bem na segunda divisão da Argentina, do Brasil, aqui é um lugar bom para eles mostrarem desempenho.
O terceiro pilar passa na formação de jovens atletas. Eduardo destaca a dificuldade da Bolívia em formar jogadores não só nacionalmente, como também para outros países.
– A Bolívia é um país de 15 milhões de habitantes. Como não é capaz de formar jogadores como forma o Uruguai? É algo na formação. E aqui estamos fazendo algo integral, que nunca houve na Bolívia, que vai da educação, nutrição, neurociência, treino futebolístico, dando todas as condições para formarmos jogadores. Isso vai nos ajudar a ter jogadores formados em casa, que sai mais barato para o Bolívar, além de podermos exportá-lo. De certa maneira, foi o que o Del Valle fez no Equador.
Todos os pilares convergem para um só objetivo: tornar o Bolívar autossustentável.
O papel do Grupo City
É por isso que, para além da estrutura, o clube tem investido em sua massa associativa, busca por patrocínios e outras fontes de renda. Aí entra, também, o conhecimento do Grupo City para orientar o Bolívar com as melhores estratégias.
– O Bolívar não tem um dono, é um grupo societário, não se pode vender, então somos um clube parceiro. O que significa isso? Que eles nos tratam como um clube a mais. E a assessoria deles está em todos os âmbitos, desde a construção do CAR, assim tem que ser, o vestiário tem que ser assim, o campo assado.
– Vamos buscar jogadores, e o scouting deles nos ajuda também. Toda nossa base de formação vem com a metodologia City. Há pessoas do City que trabalham na Bolívia, estão conosco no dia a dia. Até para conseguir o patrocínio da Puma. Fazia um bom tempo que as três marcas grandes não patrocinavam um time boliviano. E há gente do City que nos ajuda nisso. A comunicação é constante – explicou Eduardo Valdivia.
Durante a visita, além de o Bolívar contar com a mesma marca de aparelhos do Palmeiras, outra semelhança foi vista: frases de efeito espalhadas ao redor do CT. Na academia, bordões como "aqui se formam campeões" e "seu único limite é a glória" tentam motivar os atletas.
Jorge del Sol, diretor esportivo do Bolívar, confidenciou até outro ponto em comum: o interesse recente que o clube teve em Richard Ríos, volante que pode estrear pelo Verdão nesta quarta-feira.
– O nosso corpo técnico conhecia o Richard do México, gostávamos deles e tentamos. Tínhamos o Burno Miranda, que emprestamos ao Guarani, e ele falou sobre o Bolívar com o Richard. Ele queria vir. O Guarani não queria soltá-lo pois sabia que era um jogador de potência, e aí está. Três meses depois está no Palmeiras.
Com toda essa estrutura e o projeto em desenvolvimento, o Bolívar espera chegar, pelo menos, nas oitavas de final da Libertadores deste ano. Para o futuro, com foco em 2025, o clube sonha com uma vaga na decisão do maior torneio do continente.
– Ganhar na Bolívia já não é o suficiente, o torcedor quer um título internacional. E chegamos perto em 2004, na final da Sul-Americana, em 2014 na semifinal da Libertadores, mas não conseguimos. É muito difícil. Só o Brasil ganhou quatro Libertadores nos últimos anos. Há muita diferença entre o Brasil e os outros países. Mas o sonho está aí, vamos atrás – destacou Jorge del Sol.
Nesta quarta-feira, às 21h30 (de Brasília), o Bolívar começa a busca por esse sonho contra um Palmeiras reserva. A Globo, o Globoplay e o ge transmitem a partida.
Os clubes do Grupo City
Manchester City (Inglaterra)
New York City (Estados Unidos)
Melbourne City (Austrália)
Mumbai City FC (Índia)
Lommel SK (Bélgica)
ESTAC Troyes, (França)
Montevideo City Torque (Uruguai)
Yokohama Marinos (Japão)
Girona (Espanha)
Sichuan Jiniu (China)
Palermo (Itália)
Bahia (Brasil)
Bolívar (Bolívia - clube parceiro, não controlado pelo City)
Por Henrique Toth
ge La Paz, Bolívia
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