Seleção argelina usou CT Fazenda dos Ipês na Copa de 2014 (Foto: Arte/ TV TEM) |
Quando o árbitro Leandro Bizzio Marinho soou o apito derradeiro naquele 3 de abril de 2016, parecia meramente o término de um jogo.
Só que depois, o 0 a 0 entre Portuguesa e Atlético Sorocaba, no estádio do Canindé, pela última rodada da Série A2 do Campeonato Paulista, significaria, na verdade, um ponto de interrogação (ou seria ponto final?) de uma história.
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O rebaixamento do Galo se desenhava como o cenário mais triste. Porém, a derrocada posterior seria muito pior.
Desde então, o clube abandonou as atividades ligadas ao futebol e sequer jogou a Série A3 em 2017.
O desinteresse da Igreja da Unificação e Paz, mantenedora do clube no âmbito esportivo durante vários anos, é a grande justificativa para o adeus de uma equipe jovem no cenário paulista (fundada em 1991), mas que chegou a ser vista como promissora.
Antes de outros detalhes apurados para esta reportagem, é necessário esclarecer logo de cara: não há qualquer indício de que o Atlético Sorocaba volte a ter um time em qualquer competição de futebol, a menos que apareça um novo investidor com cifras vultuosas.
Desde a morte de Reverendo Moon, fundador da Igreja da Unificação e Paz e admirador do futebol, em setembro de 2012, os investimentos no esporte foram cessando até minguarem.
Hoje, o clube mantém apenas a estrutura do CT Fazenda dos Ipês, que continua ativo, recebendo outras equipes para preparação, além de eventos. As atividades do Galo, atualmente, são puramente administrativas.
Investimento zerado, sete anos sem jogar e CT de ponta
O atual presidente do clube é o japonês Koichi Sazaki, ligado à Igreja de Moon. Ele, porém, ostenta uma espécie de cargo figurativo. O peso maior se dá exatamente pelo vínculo religioso, já que Sazaki é pastor do que muitos consideram uma seita criada pelo norte-coreano, em 1954.
Quem fica responsável de modo mais direto pela gestão do que restou do Atlético Sorocaba é José Rodrigues.
Também envolvido com negócios na pecuária a nível nacional, atualmente é o vice-presidente, apesar de o site da Federação Paulista de Futebol (FPF) ainda o apontar como presidente, o que ele atribui a uma “desatualização”.
Depois de vários dias de tentativas de ligações e mensagens, Rodrigues conversou com o ge. E foi sincero sobre (a falta de) um futuro para o Galo.
– A família do Moon tomou à frente dos negócios e não tem nenhum interesse em seguir investindo no futebol. O grande sonho era do Reverendo, então eles zeraram o investimento. Desde a morte dele, o dinheiro foi pouco a pouco parando de vir. E, para disputar competições, são necessários investimentos bem maiores. Por isso, não tem nenhuma perspectiva de retorno (do Atlético Sorocaba).
O antigo rival do São Bento, vale reforçar, não disputa uma partida oficial há sete anos. O clube, no entanto, segue filiado à FPF.
Além de pedir uma confirmação sobre a filiação, o ge também pediu à entidade do futebol paulista informações sobre eventuais dívidas e valores médios de taxas pagas pela equipe, o que não foi respondido.
A reportagem também entrou em contato com Neudir Simão Ferabolli, secretário-geral da Regional Latino-Americana da Igreja da Unificação e Paz para saber qual é a relação da instituição com o clube atualmente. O representante, entretanto, respondeu que não falaria sobre o assunto.
Basicamente, o Atlético Sorocaba ainda existe por uma questão legal, formal. Mas, segundo José Rodrigues, as atividades só devem continuar "até os donos decidirem o que vão fazer com o clube”.
Aliás, foi pedido a Rodrigues o contato de Sazaki, atual presidente, vinculado à Igreja. O vice, contudo, explicou que recebe recomendação de não passar o telefone do mandatário por ele não ter interesse em atender a imprensa.
Enquanto a tal decisão sobre possíveis rumos não acontece, a única fonte de renda do clube é o imponente CT Fazenda dos Ipês, que foi reformado para receber a seleção da Argélia, na Copa do Mundo de 2014.
Nos últimos anos, o espaço tem recebido eventos de intercâmbio, peneiras nacionais e internacionais, além de clubes que têm usado a enorme infraestrutura (dois hotéis, uma academia e quatro campos oficiais) para preparações e pré-temporadas, como Guarani, Inter de Limeira, Novorizontino, Água Santa, São Bernardo, entre outros.
Os valores para utilização do CT não foram divulgados, mas variam de acordo com a quantidade de diárias e refeições solicitadas pelos times que ficam hospedados.
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A história do clube e o "legado" de Moon
O Atlético Sorocaba foi fundado em 21 de fevereiro de 1991 pelo empresário João Caracante Filho.
A estreia em competições estaduais oficiais aconteceu em 1993, na Segunda Divisão, o que seria a atual Série A3 do Paulista. Em 2001, conseguiu o primeiro acesso e depois, em 2002, conquistou o vice-campeonato da A2, chegando de maneira inédita ao Paulistão, em 2003.
Em 2005, foi rebaixado à A2. Em 2008, veio o título da Copa Paulista e a consequente estreia na Copa do Brasil, em 2009. Em 2013, voltou à elite estadual, mas não escapou de uma nova queda já no ano seguinte. Até 2016, como já citado na reportagem, ter sido rebaixado à A3 e encerrado atividades.
A compra do clube pelo misterioso e messiânico Reverendo Moon se deu ainda em 2000.
Em entrevista ao "UOL" em 2016, o então vice de futebol atleticano, Benedito Sampaio, disse que o sul-coreano "era um homem idealista", acreditava no esporte como uma possibilidade de quebra de "barreiras raciais, econômicas, nacionais" e pensava na paixão nacional brasileiro como uma alternativa para "implantar essa filosofia de paz mundial".
Dono de um império em vida, Moon criou a Igreja da Unificação e Paz sob a ideia de que Adão e Eva teriam falhado no "plano divino", portanto, o mundo precisava de um "Novo Messias" e ele seria "o escolhido".
O sul-coreano chegou a ser preso em 1982, nos EUA, por evasão fiscal. De acordo com reportagem da BBC, Moon acumulava, no ano de sua morte, uma fortuna de US$ 900 milhões, levando em conta todos os negócios que faziam parte do patrimônio.
Ainda por influência do Reverendo, o Atlético Sorocaba fez quatro viagens à Coreia do Norte de 2009 a 2015. Lá, chegou até a ser confundido com a seleção brasileira, viu 30 mil pessoas não conseguirem entrar em um estádio já abarrotado por outras 80 mil, levou um atleta americano na delegação, padeceu em silêncio com a arbitragem, chegou a temer reações a eventuais vitórias.
Chulapa, Diniz e o Menino Maluquinho
Antes de revelar seu principal talento ao futebol brasileiro, o Atlético Sorocaba se cruzou com a história de diversos nomes conhecidos do país. Além dos atacantes Serginho Chulapa e Ewerthon, do meia Maicosuel, do goleiro Deola, até Wendell Lira, vencedor do Prêmio Puskas passou pelo Galo.
O principal técnico de sua história foi Fernando Diniz, que foi o comandante do retorno à elite estadual em 2012.
Entre os atletas daquele time de Diniz estava Luan, o Menino Maluquinho. O atacante, que viria a ser campeão da Libertadores pelo Atlético-MG, foi revelado na equipe sorocabana, pela qual marcou 35 gols.
O dérbi final
À parte à história um tanto misteriosa do comprador do Atlético Sorocaba, é necessário voltar ao aspecto futebolístico desse enredo.
O adeus atleticano, por consequência, causa o fim do dérbi da cidade, com o São Bento. O duelo costumava movimentar o estádio Walter Ribeiro (CIC) e, a partir do momento em que um dos clubes passa a não existir mais, aparentemente diminui o peso do sarrafo carregado pelo rival.
Não à toa, apesar de algumas conquistas desde o desaparecimento do Galo no cenário, o Azulão não tem conseguido manter estabilidade no cenário nacional ou paulista – os acessos até acontecem, mas vêm acompanhados de quedas em sequência.
O último dérbi sorocabano foi em 2014, pela Copa Paulista. As equipes empataram em 1 a 1, com gols na primeira etapa. Gueguel abriu o placar para o Bentão aos 7 minutos e Romário deixou tudo igual, aos 14.
No retrospecto do clássico local, segundo o historiador sorocabano Guilherme Feliciano, são 39 partidas, com 16 vitórias do Galo, 15 empates e oito vitórias do São Bento.
O último gol da história do clube
Quatro anos depois do dérbi derradeiro, antes do jogo com a Portuguesa, que decretou o rebaixamento do Atlético Sorocaba à A3, houve uma vitória por 2 a 1 diante do Guarani, no CIC, pela penúltima rodada do campeonato.
E, naquele 28 de março de 2018, um atacante ficaria com o posto de jogador a marcar o último gol da história do Galo: Claudir, o camisa 9 da época.
Depois de defender o vermelho e amarelo da equipe, o centroavante de 30 anos rodou pelo futebol da Armênia, Irã, Indonésia e, mais recentemente, Vietnã.
Com tanto tempo ausente do Brasil, a reportagem teve uma verdadeira saga até conseguir o contato do homem-gol.
Mas o desafio valeu a pena, afinal, Claudir é daqueles atletas “bons de resenha”. O cuiabano, aliás, não sabia que tinha sido o dono do feito pelo Atlético Sorocaba. Ao ouvir que foi na partida com o Bugre, a memória reativou com extrema lucidez.
– Ahhh, lembro! Foi uma jogadaça, recebi no meio, bati bonito – resume, deixando a modéstia de lado.
– Por incrível que pareça, foi um dos melhores clubes que joguei aqui no Brasil. A gente tinha um time bom, mas teve alguns problemas ao longo da competição. Foram quatro técnicos, o Edinei (Uguetto) por último. Se ele tivesse assumido antes, acho que a gente tinha escapado, porque deu uma engrenada boa – complementa.
O atacante expressou o que sente ao saber do fim da trajetória do Galo.
– Com uma estrutura daquela, em uma cidade maravilhosa como Sorocaba, é triste demais ver acabar. Atlético e São Bento não podem acabar nunca, tem que se manter para o resto da vida. O certo é estar na primeira divisão paulista, disputando alguma divisão nacional. De qualquer forma, precisaria estar no cenário. São clubes que se você perguntar, a maioria dos jogadores conhece – afirmou Claudir, que deu uma pausa na carreira neste primeiro semestre para investir em sua empresa de energia solar, mas admite estar “aberto para negócios” e deseja voltar ao futebol ainda em 2023.
O sentimento de tristeza pelo fim do dérbi é compartilhado por José Rodrigues.
– Sinto que é uma perda para a cidade, nesse esporte que é tão importante no mundo. É uma perda significativa. Quando tinha duas equipes, apesar de não ter vivido aqui nessa época, é óbvio que só engrandece o futebol, tem essa coisa de rivalizar. O São Bento, apesar de ser uma equipe tradicional, hoje não tem mais ninguém para rivalizar. Fica um gostinho de quero mais.
Sem perspectiva de retorno do Atlético Sorocaba ao futebol, resta o sentimento de nostalgia para um time que já foi motivo de alegrias, mas que, de sete anos para cá, deixou os antigos torcedores na saudade diante da (quase) certeza sobre um futuro inexistente.
Por Esdras Pereira
ge Sorocaba, SP
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