Coronel Nunes é o presidente interino da CBF desde o afastamento de Caboclo (Foto: Leandro Lopes / CBF) |
Com bastidores agitados, a CBF se prepara para enfrentar nas próximas semanas três momentos decisivos para o futuro da entidade.
1) A Comissão de Ética tem até o dia 7 de julho para concluir a investigação contra Caboclo, acusado por uma funcionária de assédio sexual e moral. Esse prazo pode ser ampliado;
2) Com base nessa conclusão, a Assembleia Geral (formada por 27 presidentes de federações estaduais) deve votar a destituição ou a recondução de Caboclo à presidência;
3) Em caso de destituição, uma nova eleição deve ser marcada dentro de um prazo de 30 dias, para um mandato-tampão que termina em abril de 2023. Só podem se candidatar os oito vice-presidentes da CBF, e dessa votação participam as 27 federações estaduais (cujos votos têm peso 3), os 20 clubes da Série A (peso 2) e os 20 clubes da Série B (peso 1).
Esse resultado será decisivo para a eleição seguinte, a ser realizada em 2022, cujo vencedor comandará a CBF a partir de 2023, quando terminar o mandato-tampão do escolhido entre os oito vices.
A destituição
Segundo as regras da CBF, decisões da Comissão de Ética devem ser aprovadas por 3/4 de Assembleia Geral. Ou seja: é preciso que 21 das 27 federações ratifiquem uma eventual destituição. Assim, Rogério Caboclo precisa do apoio de sete federações estaduais para voltar à presidência da CBF.
Dirigentes da confederação e de federações estaduais ouvidos pela reportagem consideram "quase impossível" que Caboclo consiga tantos apoios. Mas o presidente afastado da CBF tem dito a interlocutores que tem os votos necessários para qualquer situação.
Rogério Caboclo também partiu para o ataque contra Marco Polo Del Nero, que o escolheu como sucessor (e de quem sempre foi muito próximo), mas que agora identifica como o responsável por um suposto complô que resultou no seu afastamento da presidência.
Ao declarar guerra contra seu ex-padrinho político, Caboclo tenta direcionar os holofotes para Del Nero, que há três anos foi expulso do futebol pela Fifa – mas manteve sua influência sobre a CBF comandada por Caboclo.
A estratégia do presidente afastado é fazer parecer que sua destituição significaria a volta de Marco Polo Del Nero ao comando da CBF. O que é curioso, afinal o próprio Caboclo só chegou à presidência da entidade por ter sido indicado por Del Nero.
Disputa entre os vices
Desde o afastamento de Rogério Caboclo, no dia 6 de junho, a CBF é comandada interinamente por Antônio Carlos Nunes, o Coronel Nunes, vice-presidente mais velho. Em caso de destituição de Caboclo, uma nova eleição será convocada, da qual só podem participar os oito vices. São eles:
Antônio Carlos Nunes, 82 anos, policial militar reformado, ex-presidente da Federação Paraense e presidente interino da CBF entre 2017 e 2019;
Antônio Aquino, 74 anos, presidente da Federação do Acre desde 1984, tem mandato até 2023;
Castellar Guimarães, 38 anos. advogado, foi presidente da Federação Mineira entre 2014 e 2018. É do Comitê de "Player Status" da Fifa;
Ednaldo Rodrigues, 66, contador, foi presidente da Federação Baiana entre 2001 e 2019;
Fernando Sarney, 65 anos, empresário, filho do ex-presidente José Sarney, integra o Conselho da Fifa desde 2015;
Francisco Noveletto, 66 anos, empresário, foi presidente da Federação Gaúcha de 2004 a 2020;
Marcus Vicente, 67 anos, deputado federal por cinco mandatos, foi presidente da Federação do Espírito Santo de 1994 a 2015;
Gustavo Feijó, 52 anos, ex-prefeito de Boca da Mata (AL) e ex-presidente da Federação de Alagoas de 2008 a 2015.
Na última quarta-feira, todos os vice-presidentes que não se chamam Coronel Nunes se reuniram no Rio de Janeiro – seis deles presencialmente e Marcus Vicente de maneira remota. Ali, decidiram que topam apoiar Nunes enquanto a destituição de Rogério Caboclo não for consumada. Mas também acordaram que não topam uma recondução de Nunes na eleição entre os vices. Embora não morem no Rio, todos os vices têm dado expediente semanalmente na CBF, com exceção de Vicente, que é secretário de Saneamento do Espírito Santo.
Ouça áudios da denúncia de assédio contra Rogério Caboclo, afastado da presidência da CBF
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Nunes é o preferido de Marco Polo Del Nero para comandar a CBF até a eleição de 2022 (cujo vencedor assume em 2023). Del Nero foi o grande padrinho político de Rogério Caboclo, eleito em 2018 sob sua bênção, e com quem agora está em guerra.
Entre todos os atuais vice-presidentes, Nunes é considerado o mais próximo e o mais "controlável" por Del Nero. O plano do ex-presidente da CBF é deixar Nunes completar o mandato de Caboclo e, depois, para a eleição de 2022, articular outro candidato que seja próximo a ele – como foi com Rogério Caboclo. Hoje, o preferido de Del Nero seria Gilnei Botrel, seu fiel aliado desde os tempos de Federação Paulista de Futebol e atual diretor financeiro da CBF.
Os demais sete vices chegaram a um consenso de que seria ruim para a CBF ter Nunes por mais dois anos como presidente. O Coronel representaria uma ligação muito próxima com a "velha CBF", além de ter protagonizado episódios como o desastrado voto no Marrocos na eleição que decidiu a sede da Copa do Mundo de 2026. O Brasil havia combinado de votar na candidatura de México, EUA e Canadá.
Embora tenham chegado a um acordo "anti-Nunes", os demais vice-presidentes não decidiram qual deles será o candidato. Essa discussão ficou para outro momento. Com exceção de Antonio Aquino e Marcus Vicente, todos os outros são apontados por fontes ouvidas pelo ge como potenciais candidatos. Oficialmente, todos negam ter a intenção de se candidatar. Mas todos sabem que algum deles tem grande chance de ser o próximo presidente da CBF.
Voto aberto ou fechado?
Além disso, há outra discussão importante em curso na CBF: se a votação para destituir Caboclo será aberta ou fechada. Até agora, todas as votações das assembleias da entidade são realizadas com o voto secreto. A diretoria quer o voto aberto, mas os dois códigos de regras que regem a entidade, o de Ética e o Estatuto, não versam explicitamente sobre como deve ser o voto em casos como o atual, de destituição por recomendação da Comissão de Ética.
Nos textos, só há menção a voto secreto em caso de votação convocada pela Assembleia Geral, o que não é o caso. E, na ausência de uma referência explícita, o entendimento de diretores e vices ouvidos pela reportagem é que o voto deve ser aberto.
Com o voto fechado, o xadrez eleitoral ficaria mais difícil de ser decifrado. As votações da entidade são conhecidas por serem definidas em cima da hora. Os presidentes das federações gostam de ser cortejados pelos candidatos.
A última eleição da CBF com mais de um candidato socorreu há 36 anos, em 1985. Acabou na Justiça e com uma sucessão de traições. Octavio Pinto Guimarães venceu por apenas um voto.
O hoje vice-presidente da CBF Antônio Aquino Lopes, o Tuniquim, foi um dos eleitores do polêmico pleito. Já presidente da Federação do Acre naquela época, Tuniquim ganhou notoriedade nos bastidores do futebol ao decidir a eleição disputadíssima. Na época, ele havia prometido votar nos dois candidatos – Medrado Dias e Octavio Pinto Guimarães. Na hora da contagem, os votos do Acre e do Piauí foram impugnados e só poderiam ser abertos na Justiça.
No final, Octavio vencia por um voto. Mesmo impugnado, Tuniquim revelou o seu preferido e o ex-presidente da Federação do Rio comemorou a vitória. Octavio era o mais velho e a idade era critério de desempate.
Dias acusou o acreano de traição e insinuou que o cartola recebera dinheiro para mudar de lado. O caso chegou ao CND (Conselho Nacional de Desporto), que absolveu Tuniquim. Hoje, ele mantém segredo sobre seu voto para a saída ou não de Caboclo.
- Não posso falar. Estou numa reunião. Tem muita gente na minha frente agora. Me liga depois - disse o dirigente, ao ser questionado pela reportagem se apoiaria Caboclo. Depois disso, o cartola não atendeu mais as ligações da reportagem.
A maior parte dos eleitores adota posição semelhante à do acreano. Poucos falam abertamente sobre como votarão. Mesmo assim, blocos já começam a se formar. Por enquanto, há poucos eleitores assumidos pela destituição ou pela volta de Rogério Caboclo.
O presidente afastado conta com o apoio de Pernambuco, Pará e Piauí. Como o ge mostrou, ele recebeu a visita dos presidentes de algumas federações logo depois de ter sido afastado pela Comissão de Ética. Já o grupo liderado por Marco Polo Del Nero conta com os votos de Goiás, Paraíba e Sergipe.
Nos últimos dias, presidentes mais jovens começaram a articular um grupo alternativo. Eles pedem mais espaço na CBF e até se reuniram com o Coronel Nunes. O grupo é formado por Alagoas, Rio Grande do Sul, Bahia, Espírito Santo, Distrito Federal, Minas Gerais e Amapá. Eles ainda não decidiram o lado na votação sobre o futuro político de Caboclo, mas pedem mais transparência e ameaçam emplacar uma candidatura própria na eleição do próximo ano.
Outra ala (a maior) prefere se manter neutra até agora. São eles: São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Mato Grosso, Tocantins e Mato Grosso do Sul.
Ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira ainda tem prestígio político neste xadrez eleitoral. Ele tem influência sobre os eleitores da Região Norte. Mesmo fora do futebol há quase uma década após renunciar acossado por denúncias de corrupção, Teixeira tem os votos de Acre, Rondônia, Roraima e Amazonas. Ele poderia ajudar Caboclo, que precisa de sete votos para se manter no poder, ou derrubar de vez o cartola.
Globo Esporte
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