Campeonato Brasileiro (Foto: Infoesporte) |
Treze dias depois de terem marchado até a sede da CBF para anunciar que criarão uma liga para organizar o Campeonato Brasileiro, dirigentes avançam para tirar a ideia do papel. Representantes dos 40 clubes das Séries A e B se reuniram nesta segunda-feira em um hotel em São Paulo – 36 presencialmente, 4 por vídeo – e ouviram propostas de três grupos interessados em participar da operação do bloco.
Um dos grupos é liderado pelo advogado Flavio Zveiter e por Ricardo Fort, ex-executivo da Coca-Cola; outro é coordenado pela consultoria KPMG; e um terceiro é organizado pela empresa Livemode.
O ge ouviu pessoas que estiveram na reunião e obteve detalhes sobre as propostas de Zveiter e KPMG. Procuradas pela reportagem, nenhuma das partes quis se pronunciar publicamente sobre a concorrência.
Os projetos têm finalidades semelhantes, mas com estruturas diferentes. Ambos prometem a captação de valores de alguns bilhões de reais para refinanciamento das dívidas dos clubes e uma reconfiguração do Campeonato Brasileiro e da Série B, além da criação de novas receitas.
Também houve uma apresentação de um representante da consultoria americana McKinsey no Brasil. Ele compartilhou ideias colhidas em outros mercados nos quais a empresa atua – e que contam com ligas há mais tempo. Mas a empresa não pretende assumir a operação da liga.
Cada "candidato" teve 40 minutos para apresentar propostas. Zveiter encerrou em 33 minutos, em tempo para responder a perguntas de dirigentes. Um deles perguntou se os clubes precisariam deixar de ser associações civis para virar empresas. O advogado disse que não.
O grupo foi perguntado se pretendia apenas assessorar os clubes na formação de uma liga ou efetivamente participar da operação. O advogado respondeu que a ideia é "colocar a mão na massa".
A KPMG estendeu a apresentação e não chegou a reservar tanto tempo para questões. A empresa tinha na plateia alguns de seus clientes – Corinthians e Vasco falam abertamente que contrataram sua consultoria, enquanto outros seguem a confidencialidade. Não quer dizer que esses clubes tenham lado pré-definido na "concorrência".
Os projetos não foram formulados agora. Eles vêm sendo trabalhados há cerca de um ano. Zveiter e KPMG chegaram a se reunir com dirigentes, individualmente, para apresentar ideias. Quando os cartolas tomaram a decisão de anunciar a criação da liga, o processo acelerou, e ambos tiveram apenas de adaptar apresentações.
A premissa
Clubes pretendem assumir a organização do Campeonato Brasileiro e da Série B. À luz do que acontece nas principais ligas europeias, a federação nacional, a CBF, continuaria administrando a seleção brasileira e outras competições nacionais: Copa do Brasil, Série C e Série D.
Diferente de tentativas passadas de formação da liga, em que dirigentes amadores foram nomeados para o comando, e só então profissionais foram buscados por eles para cuidar do operacional, desta vez grupos de executivos e advogados se adiantaram para oferecer o serviço.
Em linhas gerais, há mais semelhanças do que diferenças entre os projetos. Ambos partem da premissa de que o futebol brasileiro está exageradamente endividado e subdimensionado em suas receitas – ou seja, poderia ter um faturamento muito maior do que o atual.
A solução aventada é a centralização de direitos comerciais e de transmissão num bloco, que conseguiria multiplicar as receitas. Isso inclui direitos de transmissão nacionais e internacionais e patrocínios vinculados às competições, como placas e naming rights.
Para reduzir consideravelmente o nível de endividamento, ambos os grupos procuraram fundos de investimento, a fim de descobrir se eles colocariam dinheiro no futebol brasileiro. Esses investidores se tornariam sócios dos clubes e lucrariam no longo prazo. As respostas os deixaram animados. Falta avançar com os cartolas na fundação da liga.
As estruturas
Ainda que sigam pressupostos parecidos para a idealização da liga brasileira, o grupo de Flavio Zveiter e os parceiros da KPMG têm estruturas e números diferentes em suas propostas.
Zveiter propõe a abertura de uma sociedade anônima, uma empresa, da qual todos os clubes se tornariam sócios. Eles não precisariam deixar de ser associações civis sem fins lucrativos; apenas passariam a ser proprietários de um percentual desta S/A que administraria a liga.
A KPMG tem outra ideia. Na proposta dela, os clubes fariam parte de um consórcio – quando duas ou mais pessoas jurídicas firmam um contrato com obrigações e deveres comuns. Não chega a ser uma sociedade, juridicamente falando, mas uma união de esforços.
Esta figura detém um CNPJ e pode ter funcionários empregados diretamente por ela, mas não recolhe impostos típicos de uma companhia – como Imposto de Renda, PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS.
Em ambos os casos, os clubes entregariam seus ativos para que pudessem ser explorados coletivamente. Patrocínios de uniformes e transferências de atletas dificilmente farão parte do pacote. A decisão caberá, em ambas propostas, aos dirigentes. Os profissionais oferecem suporte para que as direções sejam escolhidas com maior precisão.
No caso do consórcio proposto pela KPMG, o negócio funciona com um prazo pré-estabelecido: um período entre 20 e 30 anos, também a ser definido pelos cartolas. Nesse meio tempo, os clubes dividiriam direitos e deveres. Depois dele, a estrutura poderia ser renovada ou desmontada.
As duas opções foram formuladas de maneira a facilitar a entrada de investidores. Zveiter afirmou aos dirigentes que parte da S/A da liga poderá ser vendida a fundos de investimento, enquanto representantes da KPMG disseram que fundos poderão comprar parte do consórcio.
De onde viria o dinheiro
Na reunião, números foram apresentados aos dirigentes. Flavio Zveiter estima que será possível captar com investidores US$ 750 milhões para a liga – no câmbio atual, equivalem a cerca de R$ 3,7 bilhões.
A KPMG foi um pouco mais conservadora na projeção. Seus representantes afirmaram aos cartolas que a captação com fundos de investimento deverá ficar entre R$ 1,5 bilhão e R$ 3 bilhões.
Ambos miram fundos especializados em "private equity" – termo que o mercado usa para designar empresas estabelecidas e com capital fechado, ou seja, que não estão listadas em Bolsas de Valores.
Esses fundos aportariam dinheiro na liga para comprar parte dela. A lógica se aplica tanto à S/A quanto ao consórcio. Eles se tornariam sócios e passariam a ter direito a um percentual sobre as receitas futuras dos clubes. No longo prazo, recuperariam o investimento e lucrariam.
Aos clubes, a vantagem seria o recebimento imediato dessas cifras. Bilhões de reais, divididos entre os integrantes da liga, permitiriam que dirigentes pagassem dívidas. A desvantagem é que eles perderiam receitas futuras, que seriam redirecionadas aos investidores.
É por isso que esses profissionais, além de prometer a captação do investimento no mercado, insistem na promessa de aumentar receitas. Se o futebol brasileiro continuar com o tamanho que tem, a entrada de intermediários só tiraria dinheiro dos clubes. A torta precisa aumentar para que os pedaços fiquem mais generosos para todos que a comem.
A distribuição da grana
A KPMG entende que a divisão do dinheiro é um assunto a ser tratado depois. Primeiro os dirigentes precisam fundar a liga, escolher o operador e cuidar de questões jurídicas, depois definirão a distribuição tanto do investimento inicial, quanto das receitas operacionais.
O grupo de Flavio Zveiter já mostrou a dirigentes algumas simulações de como os recursos seriam divididos. São apenas proposições. As decisões serão dos cartolas que aderirem à liga, enquanto aos profissionais caberá fazer recomendações e executar os formatos definidos.
Quanto à captação inicial, as "luvas", o dinheiro seria distribuído assim:
81,5% para a Série A
18,5% para a Série B
Nas divisões em si, a distribuição ainda não está definida. Fatores como desempenho esportivo e tamanho de torcida devem ser levados em consideração para determinar os percentuais de cada clube.
Essas luvas cumprem três papéis. Ao mesmo tempo em que o aporte permite aos clubes o refinanciamento de dívidas, o negócio como um todo fica mais seguro para os investidores, que não querem ter "sócios" endividados e constantemente penhorados, e este dinheiro ainda serve de estímulo para que os cartolas sigam com o projeto da liga.
Nas receitas operacionais, a distribuição seria a seguinte:
Televisão aberta e fechada
50% iguais para todos os clubes da divisão
50% condicionados à posição na tabela
Pay-per-view
70% condicionados à quantidade de assinantes
30% iguais para todos os clubes da divisão
Internacional
40% iguais para todos os clubes da divisão
30% condicionados à posição na tabela
30% de acordo com "fama" (medida por pesquisa)
Nos patrocínios, as receitas seriam divididas de maneira totalmente igualitária, ou seja, 100% iguais para todos os clubes da divisão. A principal propriedade comercial seriam as placas de publicidade nos arredores do campo, que seriam uniformizadas e reduzidas em quantidade, para que o futebol tenha um aspecto mais agradável.
O dinheiro da primeira divisão também seria usado para financiar o futebol feminino com 2% de suas receitas. Logicamente, valores e percentuais dependem da concordância de todos os dirigentes.
Por último, é necessário lembrar que os percentuais acima se referem à "receita líquida", isto é, o valor arrecadado depois de duas deduções: (a) uma taxa de administração para custear a liga e seus profissionais contratados e (b) o percentual a ser repassado para investidores.
A reconfiguração dos campeonatos
A principal razão dessa união entre clubes é a maximização de receitas. Não fará sentido inserir um operador para a liga e um "sócio" (o fundo de investimentos), se o faturamento atual não for multiplicado em algumas vezes. Para que todos ganhem mais do que já têm hoje.
A partir daí, os grupos de executivos têm discursos que apontam para direções diferentes, não necessariamente conflitantes.
A KPMG encontra apoio na Dream Factory. A empresa tem duas décadas de atuação em marketing e promoção de eventos – o mais famoso deles, o Rock in Rio. Eles propõem que jogos sejam repaginados para que tenham maior apelo com público e mercado publicitário.
A proposta também é a da diversificação de receitas. Em vez de continuar dependente do "grande cheque" da Globo – palavras que os representantes da agência usaram ao defender o projeto –, o futebol precisa que novas fontes de receita sejam encontradas e expandidas, coletivamente, inclusive em meios digitais e criptoativos.
KPMG e Dream Factory não entram em pautas controversas, como reforma de calendário ou organização dos campeonatos. Esta é uma diferença em relação ao grupo de Flavio Zveiter
Tendo como principal idealizador nesta área o executivo Ricardo Fort, que foi vice-presidente global de patrocínios e eventos da Coca-Cola, depois de uma passagem por cargo similar na Visa também na esfera global, a turma de Zveiter tem sugestões para reconfigurar o futebol.
Campeonato Brasileiro e Série B passariam a ser disputados primordialmente aos fins de semana – de preferência, primeira divisão aos domingos e segunda aos sábados. Copa do Brasil e Libertadores ocupariam os meios de semana, como geralmente já acontece.
Também faz parte do plano ter uma pausa no meio da temporada, possivelmente em julho, para que clubes brasileiros possam fazer excursões e amistosos internacionais. Este é o período em que europeus estão em pré-temporada e abertos para partidas amistosas.
Na primeira divisão, a quantidade de rebaixados e promovidos seria reduzida. Em vez de quatro, seriam apenas três. Sendo que primeiro e segundo colocados na Série B subiriam automaticamente, enquanto terceiro e quarto disputariam a última vaga em um playoff.
Campeonatos estaduais não precisariam ser extintos; passariam a ser disputados por equipes sub-20 – pelo menos entre participantes da liga.
A reformulação do calendário tende impor grande resistência à liga por parte de dirigentes de federações estaduais. Eles se apropriam de parte das receitas com direitos de transmissão dos campeonatos estaduais, além de ficar com o dinheiro de patrocínios. A desvalorização de seus produtos afetaria diretamente as finanças das federações.
Quem são os profissionais
O projeto liderado por Flavio Zveiter tem a participação de alguns executivos brasileiros, como Ricardo Fort e Lawrence Magrath, e a consultoria de estrangeiros. Inclusive, participaram virtualmente da reunião com dirigentes Rick Parry, ex-chefe da Premier League (Inglaterra), e Paolo Dal Pino, atual presidente da Lega Serie A (Itália).
Esses são os nomes que assinam o projeto:
Flavio Zveiter, membro da Fifa e ex-STJD
Ricardo Fort, ex-Coca-Cola e ex-Visa
Lawrence Magrath, ex-Fluminense e ex-AEG
Charlie Stillitano, Relevent Sports Group
Christian Unger, Fifa e ex-IMG
Martin Davis, Live Nation
Rick Parry, ex-Liverpool e ex-Premier League
Scott Guglielmino, ex-ESPN
O projeto apresentado pela KPMG tem a coordenação da multinacional, com atuação em consultoria e conhecimento na área financeira, e a participação de empresas específicas para cada uma dessas áreas: jurídica, marketing e gestão fiduciária (necessária para que o consórcio seja operado de maneira transparente e conforme as leis brasileiras).
Esses são os nomes que assinam o projeto:
Marco André Almeida, KPMG Brasil
Francisco Clemente, KPMG Brasil
Pedro Trengrouse, TGA Advogados
Vantuil Gonçalves, TGA Advogados
Eduardo Rudge, Accendo
Duda Magalhães, Dream Factory
Rafael Plastina, Dream Factory
Globo Esporte
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