Ruthyana Camila não deu nenhum cartão na partida entre Picuiense e Perilima(Foto: Ramon Smith-Perilima) |
A 2ª divisão do Campeonato Paraibano é sempre uma ponte para que diversos sonhos sejam alcançados no futuro. No caso do jogador, pode ser a primeira chance de disputar um torneio profissional. No caso dos clubes, é a oportunidade de chegar à elite do futebol do estado. Mas, para uma personagem em especial, o torneio deste ano foi uma estreia esperada por diversos anos. A partida entre Perilima e Picuiense, válida pela última rodada da primeira fase, não tinha lá tanta importância para as duas equipes, já que a Águia estava classificada e o Jacaré eliminado. Mas ali, naquela cena de 90 minutos, tendo o Estádio Vovozão como palco, se desenhava a história. Pela primeira vez no futebol profissional paraibano, uma mulher comandou o jogo pelo apito. Ruthyanna Camila era a guardiã das regras do jogo e a autoridade maior da partida.
Natural de Natal, capital do Rio Grande do Norte, Ruthyanna mora em Patos, no Sertão paraibano, desde os 15 anos. Faz parte do quadro local e, desde 2016, do nacional, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). É a única árbitra "paraibana" na CBF. A juíza, de 23 anos, viveu no dia 17 de outubro deste ano um momento histórico. Foi a primeira mulher a apitar um jogo profissional de futebol masculino no estado. Feito que ela comemora bastante.
- Foi um momento marcante. Desde 2015 no quadro (estadual), eu nunca tinha recebido oportunidade como central, apenas como quarta árbitra, que nos últimos anos foram bem poucas. Quando entrei no quadro, eu sabia que iria enfrentar muita coisa, mas tinha aquele entusiasmo de recém-formada. Mas era ciente de que eu precisava ser trabalhada. Neste ano, com a intervenção da CBF, acabei sendo mais utilizada e veio a chance na última rodada da primeira fase. E aí aconteceu tudo do jeito que eu imaginava. O jogo em si foi muito bom e pude fazer a leitura correta da partida - avaliou.
Ruthyanna já tinha escrito seu nome no futebol paraibano dois anos antes de sua estreia no futebol profissional masculino. Em 2016, no dia 7 de setembro, a árbitra paraibana foi escalada para comandar um jogo CBF. Era o duelo de ida da Copa do Brasil de Futebol Feminino entre Botafogo-PB e São Francisco-BA. Era a primeira vez que uma mulher do quadro paraibano apitava um jogo de uma competição nacional organizada pela entidade máxima do futebol brasileiro.
- Com o apoio de Miguel Félix, que atualmente preside a Liga Patoense de Futebol, fui indicada em 2016 para a CBF. E foi quando veio a minha primeira oportunidade. Minha estreia como árbitra central acabou sendo meu primeiro jogo a nível nacional. Entrei para a história por ser a primeira árbitra na Paraíba em competição nacional e também por fazer parte do primeiro trio feminino paraibano que apitou uma partida - lembrou Ruthyana, que teve naquele jogo, vencido por 1 a 0 pelo São Francisco-BA, os auxílios das companheiras Adriana Basílio e Flavia Renally Costa.
Além desses momentos históricos, nem tudo são flores na vida de uma árbitra. Muito pelo contrário. Ruthyana falou das dificuldades que tem de enfrentar diariamente e contou o que espera daqui para frente no meio futebolístico.
Confira outros trechos da entrevista com a árbitra
Como foi o início na arbitragem?
Em 2015, quando entrei no quadro, sabia que ia enfrentar muita coisa, tinha aquele entusiasmo de recém-formada, que quer trabalhar e mostrar serviço, mas era ciente de que tinha que ser trabalhada para poder corresponder à oportunidade quando ela viesse. Infelizmente, as coisas não fluíram como imaginava, mas fui trabalhando no amador aqui em Patos e em 2016 fui indicada ao quadro nacional.
Como é ser mulher em um meio tão machista como é o futebol? Já pensou em desistir?
Por mais que queiram esconder o machismo, ele ainda existe e é muito forte na sociedade, e no futebol não é diferente. Em 2017, eu fiz um curso Fifa e as escalas a nível nacional foram mais constantes. Só que na Paraíba mal eu era lembrada. Apenas em atuações isoladas de quarta árbitra. Mas tive paciência e fui desenvolvendo mais habilidades e melhorando em jogos amadores em Patos. Me tornei referência na minha cidade, atuando em competições masculinas de categoria de base e adulto. No ano de 2018, infelizmente, no teste CBF, em março, me machuquei. Torci o tornozelo, torção grau 3, e fiquei afastada por três meses. Foram meses de questionamentos e indagações sobre a arbitragem. Se valeria a pena continuar. Não só pela lesão, que é normal em atletas, mas pelo momento de poucas oportunidades no estado e a incerteza de um futuro. E aí foi quando começamos a passar pelo momento mais obscuro da arbitragem paraibana. A verdade demora a aparecer, mas um dia aparece. Deu para separar o bem e o mal da arbitragem. Então veio a intervenção da CBF, onde começaram a me utilizar como quarta árbitra também. Até que fui para o sorteio três vezes seguidas até ganhar o primeiro na sexta e última rodada.
Como foi a partida entre Perilima e Picuiense? Difícil de conduzir? Houve mais pressão do que o normal?
Aconteceu tudo do jeito que eu imaginava. Eu sabia que causaria um impacto no jogo, nos jogadores, em todos que assistiam ali àquela partida de futebol. Não me preocupava com minha capacidade de levar o jogo, mas sim de demonstrar isso para todos, passar segurança e fazer com que acreditem que somos igual a eles (homens). Que temos capacidade igual ou, às vezes, até melhor em alguns aspectos. Então o jogo deixou de ser apenas mais um jogo e passou a ser o jogo. Mas eu não me importava com o extracampo. Eu só pensava em me concentrar ao máximo para fazer meu trabalho com seriedade e competência, afinal há tanto tempo estava esperando por essa oportunidade. A partida em si foi muito boa, pude fazer a leitura correta de jogo, me posicionar corretamente para os lances capitais e repassar segurança e estabilidade a todos. Não houve cartões no jogo, e os gols da equipe vencedora fluíram naturalmente pela sua superioridade. No final, a sensação de dever cumprido foi satisfatória. Saí com a consciência tranquila de que fiz o meu melhor. Não só porque ambas as equipes no final vieram me parabenizar - porque isso não é sinônimo de um bom jogo -, mas sim porque passei despercebida.
O próximo passo que você espera é apitar a 1ª divisão do Campeonato Paraibano?
Vou continuar trabalhando forte para que eu possa corresponder às oportunidades. Espero sim trabalhar em algum jogo da 1ª divisão, mas sei que devo me resguardar ao momento. Um passo de cada vez, um degrau de cada vez na escada, senão a queda é grande. Inclusive Arthur, membro da CBF, que está à frente das escalas atualmente na Paraíba, foi me assistir e me acompanhar de perto no jogo. Ao final, ele me parabenizou e eu o agradeci pela oportunidade.
Quais as suas metas na arbitragem?
Um dos meus objetivos para o ano de 2019 é ser aprovada no teste masculino da CBF, que normalmente é realizado em março. Não que seja difícil, apenas exige muita disciplina e treinos diários. Para que possamos trabalhar competições masculinas da CBF, é necessário passar no teste masculino. Temos que correr igual a eles, fazer no tempo deles, mas se isso é uma exigência da CBF então temos apenas que trabalhar para cumprir. Ainda são poucas aprovações femininas, mas esse número vem aumentando ano após ano, de acordo com as estatísticas da CBF. E vamos conquistando nosso espaço aos poucos. O primeiro passo é ser aprovada no teste. As escalas serão consequência.
Agora a FPF tem uma mulher como presidenta. Você acha que, por conta disso, a arbitragem feminina vai ter um pouco mais de prestígio?
É o que eu espero. Por ser mulher, ela sabe que a luta é diária dentro da sociedade, e no futebol não é diferente. Espero que ela possa fazer um bom mandato, deixe a casa organizada e melhore a imagem do nosso futebol. E que possa defender a arbitragem, não só feminina, mas a masculina também, satisfazendo a todos assim.
Por Pedro Alves — João Pessoa
Globoesporte.com/PB
Natural de Natal, capital do Rio Grande do Norte, Ruthyanna mora em Patos, no Sertão paraibano, desde os 15 anos. Faz parte do quadro local e, desde 2016, do nacional, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). É a única árbitra "paraibana" na CBF. A juíza, de 23 anos, viveu no dia 17 de outubro deste ano um momento histórico. Foi a primeira mulher a apitar um jogo profissional de futebol masculino no estado. Feito que ela comemora bastante.
- Foi um momento marcante. Desde 2015 no quadro (estadual), eu nunca tinha recebido oportunidade como central, apenas como quarta árbitra, que nos últimos anos foram bem poucas. Quando entrei no quadro, eu sabia que iria enfrentar muita coisa, mas tinha aquele entusiasmo de recém-formada. Mas era ciente de que eu precisava ser trabalhada. Neste ano, com a intervenção da CBF, acabei sendo mais utilizada e veio a chance na última rodada da primeira fase. E aí aconteceu tudo do jeito que eu imaginava. O jogo em si foi muito bom e pude fazer a leitura correta da partida - avaliou.
Ruthyanna já tinha escrito seu nome no futebol paraibano dois anos antes de sua estreia no futebol profissional masculino. Em 2016, no dia 7 de setembro, a árbitra paraibana foi escalada para comandar um jogo CBF. Era o duelo de ida da Copa do Brasil de Futebol Feminino entre Botafogo-PB e São Francisco-BA. Era a primeira vez que uma mulher do quadro paraibano apitava um jogo de uma competição nacional organizada pela entidade máxima do futebol brasileiro.
- Com o apoio de Miguel Félix, que atualmente preside a Liga Patoense de Futebol, fui indicada em 2016 para a CBF. E foi quando veio a minha primeira oportunidade. Minha estreia como árbitra central acabou sendo meu primeiro jogo a nível nacional. Entrei para a história por ser a primeira árbitra na Paraíba em competição nacional e também por fazer parte do primeiro trio feminino paraibano que apitou uma partida - lembrou Ruthyana, que teve naquele jogo, vencido por 1 a 0 pelo São Francisco-BA, os auxílios das companheiras Adriana Basílio e Flavia Renally Costa.
Além desses momentos históricos, nem tudo são flores na vida de uma árbitra. Muito pelo contrário. Ruthyana falou das dificuldades que tem de enfrentar diariamente e contou o que espera daqui para frente no meio futebolístico.
Confira outros trechos da entrevista com a árbitra
Como foi o início na arbitragem?
Em 2015, quando entrei no quadro, sabia que ia enfrentar muita coisa, tinha aquele entusiasmo de recém-formada, que quer trabalhar e mostrar serviço, mas era ciente de que tinha que ser trabalhada para poder corresponder à oportunidade quando ela viesse. Infelizmente, as coisas não fluíram como imaginava, mas fui trabalhando no amador aqui em Patos e em 2016 fui indicada ao quadro nacional.
Como é ser mulher em um meio tão machista como é o futebol? Já pensou em desistir?
Por mais que queiram esconder o machismo, ele ainda existe e é muito forte na sociedade, e no futebol não é diferente. Em 2017, eu fiz um curso Fifa e as escalas a nível nacional foram mais constantes. Só que na Paraíba mal eu era lembrada. Apenas em atuações isoladas de quarta árbitra. Mas tive paciência e fui desenvolvendo mais habilidades e melhorando em jogos amadores em Patos. Me tornei referência na minha cidade, atuando em competições masculinas de categoria de base e adulto. No ano de 2018, infelizmente, no teste CBF, em março, me machuquei. Torci o tornozelo, torção grau 3, e fiquei afastada por três meses. Foram meses de questionamentos e indagações sobre a arbitragem. Se valeria a pena continuar. Não só pela lesão, que é normal em atletas, mas pelo momento de poucas oportunidades no estado e a incerteza de um futuro. E aí foi quando começamos a passar pelo momento mais obscuro da arbitragem paraibana. A verdade demora a aparecer, mas um dia aparece. Deu para separar o bem e o mal da arbitragem. Então veio a intervenção da CBF, onde começaram a me utilizar como quarta árbitra também. Até que fui para o sorteio três vezes seguidas até ganhar o primeiro na sexta e última rodada.
Como foi a partida entre Perilima e Picuiense? Difícil de conduzir? Houve mais pressão do que o normal?
Aconteceu tudo do jeito que eu imaginava. Eu sabia que causaria um impacto no jogo, nos jogadores, em todos que assistiam ali àquela partida de futebol. Não me preocupava com minha capacidade de levar o jogo, mas sim de demonstrar isso para todos, passar segurança e fazer com que acreditem que somos igual a eles (homens). Que temos capacidade igual ou, às vezes, até melhor em alguns aspectos. Então o jogo deixou de ser apenas mais um jogo e passou a ser o jogo. Mas eu não me importava com o extracampo. Eu só pensava em me concentrar ao máximo para fazer meu trabalho com seriedade e competência, afinal há tanto tempo estava esperando por essa oportunidade. A partida em si foi muito boa, pude fazer a leitura correta de jogo, me posicionar corretamente para os lances capitais e repassar segurança e estabilidade a todos. Não houve cartões no jogo, e os gols da equipe vencedora fluíram naturalmente pela sua superioridade. No final, a sensação de dever cumprido foi satisfatória. Saí com a consciência tranquila de que fiz o meu melhor. Não só porque ambas as equipes no final vieram me parabenizar - porque isso não é sinônimo de um bom jogo -, mas sim porque passei despercebida.
O próximo passo que você espera é apitar a 1ª divisão do Campeonato Paraibano?
Vou continuar trabalhando forte para que eu possa corresponder às oportunidades. Espero sim trabalhar em algum jogo da 1ª divisão, mas sei que devo me resguardar ao momento. Um passo de cada vez, um degrau de cada vez na escada, senão a queda é grande. Inclusive Arthur, membro da CBF, que está à frente das escalas atualmente na Paraíba, foi me assistir e me acompanhar de perto no jogo. Ao final, ele me parabenizou e eu o agradeci pela oportunidade.
Quais as suas metas na arbitragem?
Um dos meus objetivos para o ano de 2019 é ser aprovada no teste masculino da CBF, que normalmente é realizado em março. Não que seja difícil, apenas exige muita disciplina e treinos diários. Para que possamos trabalhar competições masculinas da CBF, é necessário passar no teste masculino. Temos que correr igual a eles, fazer no tempo deles, mas se isso é uma exigência da CBF então temos apenas que trabalhar para cumprir. Ainda são poucas aprovações femininas, mas esse número vem aumentando ano após ano, de acordo com as estatísticas da CBF. E vamos conquistando nosso espaço aos poucos. O primeiro passo é ser aprovada no teste. As escalas serão consequência.
Agora a FPF tem uma mulher como presidenta. Você acha que, por conta disso, a arbitragem feminina vai ter um pouco mais de prestígio?
É o que eu espero. Por ser mulher, ela sabe que a luta é diária dentro da sociedade, e no futebol não é diferente. Espero que ela possa fazer um bom mandato, deixe a casa organizada e melhore a imagem do nosso futebol. E que possa defender a arbitragem, não só feminina, mas a masculina também, satisfazendo a todos assim.
Por Pedro Alves — João Pessoa
Globoesporte.com/PB
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