Mesmo extremamente desorganizado e dirigido - salvo raras exceções - por pessoas de conduta não exemplares, o futebol brasileiro sempre possuiu uma infinidade de grandes jogadores que surgem todos os dias, em todas as cidades, do litoral ao sertão. Um verdadeiro celeiro.
Hoje, como é sabido os craques diminuíram significativamente em nosso futebol, o que preocupa os comentaristas, dirigentes, torcida e todos aqueles que acompanham o nosso esporte rei. Os debates são calorosos e pertinentes, envolvendo várias gerações de técnicos, ex- jogadores, cronistas e demais partícipes. A preocupação aumentou sobremaneira em decorrência da humilhante derrota para os alemães, em casa, em jogo de copa do mundo, por sete tentos a um.
Muito se discute. O debate é atual e necessariamente urgente. Dentre vários itens que são levantados pelos especialistas eu queria aqui acrescentar um que a meu ver contribuiu para o declínio do nosso futebol: A ausência dos tradicionais campos de bairros. Era neles que diariamente dezenas de jovens se encontravam para disputar a tradicional pelada. Sei que as cidades cresceram, a urbanização chegou e trouxe os arranhas céu em forma de concreto armado.
Onde havia um terreno plano com dimensões apropriadas nascia um campo de pelada, mesmo que não comportasse um time com onze atletas se improvisava com nove, ou mesmo os campinhos que jogavam apenas cinco contra cinco, sem goleiro e com uma trave pequena. Era diversão, aprimoramento do físico, integração social e acima de tudo companheirismo. E não faltava o olheiro que aparecia como quem não queria nada e observava os meninos que poderiam ser aproveitados nos times da redondeza.
Faltou planejamento do poder público em preservar reservando essas áreas destinadas aos campos de pelada, local onde os jovens iniciavam as suas experiências com a bola de plástico, de borracha e principalmente a de couro.
Eu fui um privilegiado, pois residia no Bairro dos Expedicionários e ali próximo existiam vários campos de futebol, de todas as dimensões, como o campo do Agave, onde hoje funciona uma agência do Banco do Brasil; o campo de Pedro Gondim, onde hoje está instalado o Espaço Cultural; O campinho de Inaldo, ocupado por vistosas clínicas; o campo da Portuguesa também deu lugar a residências e em especial o campinho de “Seu Chico”.
Este último estava localizado em uma convergência de cinco ruas, tinha suas dimensões bastante reduzidas e a sua trave era pequena e não comportava goleiros. A bola era de futebol de salão ou de borracha chamada dente de leite. Eram quatro jogadores contra quatro. Todos os dias havia pelada, mas quando o sábado chegava à freqüência era intensa, com mais de seis times jogando entre si, e as partidas eram decididas em um único gol, quem ganhava permanecia em campo e enfrentava o próximo adversário.
A última partida encerrava com a chegada da noite, onde a visibilidade já não era boa. Ao final sentávamos na calçada da venda de “Seu Chico” e tomávamos um refresco aguardando o suor sair.
Ali passaram vários garotos que poderiam seguir carreira no futebol. O domínio da bola, a visão de jogo, a malícia e acima de tudo a espontaneidade reinavam naquelas saudosas peladas. Tinha gente que comparecia exclusivamente para assisti-las. Outros sabiam jogar e gostavam, mas não conseguiam entrar naquele seleto e disputado grupo. Aquela pelada do campinho de “Seu Chico” era especial, disputada palmo a palmo, ombro a ombro e sempre decidida por um lance individual, de craque. De tanto jogarmos juntos, quase todos os dias, não precisávamos olhar ou pedir a bola ao companheiro, pois ela chegava aos nossos pés, milimetricamente, por cima ou por baixo, com a precisão necessária.
Até mesmo aqueles peladeiros denominados de caceteiros, que priorizavam a força física, dando carrinhos, escorões, imprensadas, e solados eram aplaudidos por suas espetaculares jogadas tentando desarmar os habilidosos craques.
Francisco Di Lorenzo Serpa
Membro da API, UBE e APP
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sábado, 1 de agosto de 2015
Crônicas do Serpa: Peladas de Outrora
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