Mateus Galiano da Costa tem 29 anos, nasceu em Angola e
possui um currículo sem muita expressão no futebol, tendo passado por clubes modestos de
Portugal. Entretanto, o atacante entrou para a história por se tornar o pivô de
uma batalha jurídica que ameaçou o futebol lusitano em 2006, num dos
exemplos de que os tribunais esportivos não assumem protagonismo apenas no Brasil,
mas também na Europa.
Nesta sexta-feira, o Pleno do
Superior Tribunal de Justiça Desportiva julga os recursos de Portuguesa,
Flamengo e Vasco. Os dois primeiros lutam para recuperar os pontos
perdidos após serem condenados em primeira instância por terem escalado
jogadores suspensos na última rodada do Campeonato Brasileiro - caso a
punição seja mantida, a Lusa cai no lugar do Fluminense. O último briga
para que haja um julgamento no qual pleiteia os pontos da partida contra
o Atlético-PR, que chegou a ser interrompida por causa de uma briga
generalizada entre torcedores.
O Caso Mateus, bem
como a Liga dos 22, na Espanha, são episódios em que os departamentos
jurídicos dos clubes envolvidos tiveram a mesma relevância que os
jogadores dentro de campo. Os resultados foram diferentes: em Portugal, o
Gil Vicente, time de Mateus, foi rebaixado, mas luta até hoje por
indenização. Em terras espanholas, o que seria o rebaixamento de duas
equipes importantes por causa de problemas administrativos
transformou-se no inchaço do campeonato nacional.
Mateus, em ação pela seleção de Angola: atacante foi pivô de batalha jurídica em Portugal (Foto: Getty Images)
CASO MATEUS
Contratado pelo Gil Vicente em 2005, Mateus teve sua inscrição na Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e na Liga Portuguesa de Futebol (LPF) recusada pelas entidades em janeiro de 2006, sob a alegação de que ele havia passado para a condição de jogador amador ao chegar a seu clube anterior, o Lixa. Pelos regulamentos da FPF, ele deveria permanecer um ano com o status de amador e, portanto, não poderia ser utilizado pelo Gil Vicente.
- Por sermos da opinião que o recurso sobre a inscrição do
jogador era de caráter laboral, nós e o Mateus recorremos aos tribunais comuns,
argumentando que o contrato que Mateus tinha com o Lixa era ilegal, pois era um
contrato como contínuo daquele clube, e não um contrato esportivo – explicou Antonio
Fiusa, presidente do Gil Vicente, em entrevista ao GloboEsporte.com.
A
princípio, o recurso na Justiça Comum deu certo. O
Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto intimou a LPF a aceitar a
inscrição de Mateus, que atuou em apenas quatro jogos naquela edição do
campeonato. A revanche veio no fim da temporada: a FPF puniu o
clube, que terminou em 12º lugar, e o rebaixou para a segunda divisão,
mantendo o Belenenses - ao lado do Boavista, o único time a superar
Porto, Benfica e Sporting e ser campeão português (feito alcançado em
1946).
- O Belenenses é um clube histórico em Portugal, já foi um
dos quatro grandes, por isso tem um peso maior na imprensa do que o Gil
Vicente. Mas é impossível dizer que a opinião pública esteve mais do lado de um
clube. Houve quem apoiou o Gil Vicente e quem apoiou o Belenenses – contou o
jornalista Sérgio Pereira, do site “Mais Futebol”.
Presidente do Gil Vicente, Antonio Fiusa ainda briga na Justiça por indenização (Foto: Divulgação)
Mesmo rebaixado, o Gil Vicente não desistiu da briga, e a
batalha nos tribunais teve diversas reviravoltas, que culminaram numa
intervenção da Fifa, que ameaçou suspender a FPF caso não houvesse uma punição
ao Gil Vicente por ter entrado na Justiça Comum. Se a entidade não agisse, a
seleção portuguesa poderia ficar fora das eliminatórias para a Eurocopa de
2008, e os times lusitanos não poderiam disputar os torneios continentais. O
ultimato acabou por ser decisivo no rebaixamento do Gil Vicente.
Entretanto, o clube segue até hoje nos tribunais, pedindo
ressarcimento por causa das perdas financeiras que sofreu. Depois do descenso
em 2006, a equipe passou cinco temporadas na segunda divisão, até retornar à
elite em 2011. Fiusa estima que o prejuízo foi de € 25 milhões, mas admite que,
por outro lado, a imagem do Gil Vicente melhorou.
- O clube passou por enormes prejuízos causados pelo
rebaixamento em 2006 e pelas proibições de participar da Taça de Portugal e nos
campeonatos nacionais de juniores e juvenis na temporada 2006/2007. Prejuízos
em bilheteria de jogos, nas receitas de televisão, na exposição do clube, na
valorização dos seus ativos. Além de tudo isso, há ainda os prejuízos decorrentes do não
cumprimento de contratos de patrocínio e publicidade. O Gil tem direito ao
ressarcimento total dos danos referidos, e é por isso que ainda luta no
tribunal. Em termos de imagem do clube, que é pequeno, posso dizer que o caso,
apesar de tudo, deu uma imagem de clube batalhador, que persegue a justiça e a
verdade esportiva, sem ceder a pressões – disse Fiusa.
Até aqui, o Gil Vicente vem tendo sucesso em sua batalha. O
clube já venceu nos tribunais de primeira instância e de apelação, inclusive no
Supremo Tribunal Administrativo. Com isso, tornou-se até referência para outras
equipes europeias, que buscaram informações para lidar com seus problemas.
- O Gil Vicente e nossos advogados chegaram a ser procurados
pelo Sion (Suíça), que estava em litígio com a Uefa e foi excluído por não ter
respeitado uma proibição de contratações impostas pela FIFA. Nossos advogados
foram ainda procurados pela Universidade de Craiova (Romênia), quando estes tiveram
processos semelhantes. O Sion e o Universidade de Craiova recorreram aos tribunais,
com a assessoria dos nossos advogados, para contestar decisões das instâncias esportivas,
e conseguiram vencer.
Gil Vicente enfrenta o Porto: após o rebaixamento em 2006, equipe voltou à elite em 2011 (Foto: Getty Images)
Para Fiusa, o Caso Mateus expôs diversos problemas na
Justiça Esportiva portuguesa. Para o dirigente, os tribunais ainda davam mais
importância às decisões administrativas do que ao futebol em si. Além disso, o
presidente do Gil Vicente acredita que o resultado não teria sido o mesmo se os
gigantes lusitanos – Porto, Benfica e Sporting – estivessem envolvidos.
- Existem vários casos de corrupção esportiva em Portugal,
que tramitaram nos organismos disciplinares da Federação Portuguesa de Futebol
e nos tribunais, mas cujo efeito foi nulo. Por tais fatos, um clube grande
chegou a ser penalizado por perda de pontos, mas não foi rebaixado. O que
resultou para nós, relativamente ao Caso Mateus, é que os clubes modestos como
o Gil Vicente não têm o poder de outros clubes perante determinados organismos
e entidades do futebol. Pelo que conheço do futebol português, e depois da
batalha travada por referência ao Caso Mateus, sei que se fosse o Porto, o
Benfica ou o Sporting no lugar do Gil Vicente a Justiça não teria sido a mesma –
lamentou.
A LIGA DOS 22 NA ESPANHA
Na Espanha, a polêmica não começou por causa de um jogador, mas passou para os tribunais e terminou de uma maneira que não é estranha ao futebol brasileiro: a ampliação do número de times na primeira divisão graças a um imbróglio administrativo. No caso do país europeu, a elite passou a ter 22 equipes, no episódio que ficou conhecido como "A Liga dos 22".
Capa do jornal espanhol 'Marca' anuncia queda de Sevilla e Celta à terceira divisão (Foto: Reprodução)
Tudo começou no início da temporada 1995/1996. Em 1º de agosto de 1995, na preparação
para a nova edição do campeonato nacional, a Liga Nacional de Futebol
Profissional (LFP) decidiu rebaixar Celta de Vigo e Sevilla
para a Segunda Divisão B, equivalente à terceira
divisão, porque os clubes não haviam entregado a tempo a documentação
necessária
para a inscrição no torneio, que incluía o pagamento de 5% do orçamento
de cada
clube para um fundo de prevenção de dívidas, conforme previa o Decreto
Real 449, publicado em março de 1995, que não admitia recursos. Com
isso, Valladolid e Albacete,
rebaixados na competição anterior, foram convidados a permanecer na elite.
Como
era de se esperar, Celta e Sevilla não aceitaram
prontamente a decisão. O time de Vigo tinha de pagar 45 milhões de
pesetas, e os andaluzes, que haviam se classificado para a Copa da Uefa,
deviam 85 milhões. Seus representantes passaram a pressionar na sede da
LFP,
lembrando que outros times, como o Real Madrid, também haviam tido
problemas
na inscrição, mas não sofreram punição.
- Em Sevilla e Vigo tiveram início diversas manifestações
para que as equipes continuassem na primeira divisão, argumentando que o rebaixamento
não era justo. As pessoas neutras, por sua vez, não gostaram disso. Eram a
favor de que Sevilla e Celta caíssem – contou o jornalista espanhol Andrés
Cabrera.
A batalha foi para os tribunais. A LFP
afirmou que o único caminho era um recurso no
Conselho Nacional de Esportes (CSD, na sigla em espanhol), que, por sua
vez, sinalizou que era
necessário entrar com uma ação na Justiça Comum. Sevilla e Celta foram à
luta e tentaram se amparar na Lei Geral de Administração e Procedimento
Administrativo Comum, alegando que não tiveram tempo para regularizar a
documentação. Valladolid e Albacete ingressaram
no CSD pedindo o "cumprimento da lei", no caso o Decreto Real 449.
Del Nido, ex-presidente e então vice do Sevilla, não entregou documentos à Liga (Foto: Getty Images)
-
Quando se fala da Liga de Futebol Profissional estamos falando de uma
entidade privada. Por essa razão, esta incompetência deve se traduzir na
improcedência do recurso administrativo. A aplicação do Decreto Real
não é desproporcional, já que é uma questão de ordem interna - afirmou
Juan José Remiro, presidente do Albacete na época.
Em
meio à confusão, o jornal espanhol “El País” mostrou preocupação com as
questões e projetou uma solução que deixaria todos os envolvidos
satisfeitos. A decisão seria tomada por uma assembleia formada pelos
clubes das duas primeiras divisões da Espanha.
- A posição da grande maioria é contrária à ampliação (de
clubes), que é considerada inviável por várias razões. A próxima temporada deve
terminar em 19 de maio por causa da Eurocopa, e, assim, não há datas livres
para rodadas do campeonato. Além disso, o precedente da permanência de Sevilla
e Celta suporia que, no futuro, qualquer um poderia se livrar da lei por causa
dos recursos. Entretanto, deixar estes dois times na terceira divisão reviveria
o conflito. Tudo aponta para uma decisão consensual. Todas as partes estão de
acordo que a lei atual é demasiadamente dura, embora os clubes a tenham
aceitado. Por isso, não está descartada uma mudança para suavizar a lei no
futuro – dizia a edição de 10 de agosto de 1995 do diário.
De fato, a decisão tomada minimizou os problemas. Na
assembleia dos clubes, ficou decidido que Sevilla, Celta, Albacete e Valladolid
permaneceriam na elite, aumentando o número de equipes para 22. O tamanho se
manteve em 1996/1997, quando mudanças no sistema de rebaixamento e promoção
deixaram a liga novamente com 20 times. Globoesporte.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário será publicado em breve após ser analisado pelo administrador